Pepe Coin: token sobe 50 mil vezes, cria milionários, mas desaba — e deixa rastro que ameaça o Bitcoin

Token contribui para crise que atinge até o Bitcoin, até pouco tempo "imune" a criptomoedas meme; o que está por trás do fenômeno?

Paulo Alves

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Já pensou em investir R$ 1 e ver ele se transformar em R$ 50 mil em menos de um mês? Foi algo assim que aconteceu com investidores iniciais da Pepe Coin (PEPE), uma nova criptomoeda meme que surgiu no dia 17 de abril e, em pouquíssimo tempo, atingiu a marca de US$ 1 bilhão de valor de mercado, superando nomes conhecidos dos setor, como Axie Infinity (AXS) e Decentraland (MANA).

Até quem chegou tarde levou uma bolada para casa: neste começo de maio, o token chegou a protagonizar um rali de 10.000%, portanto multiplicando em 100 vezes o capital do investidor.

Mas, a história tomou um novo rumo nos últimos dias, mostrando que se um ativo sobe rápido demais, tende a fazer o movimento inverso também em pouco tempo.

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Após disparada meteórica, a Pepe Coin desabou na segunda-feira (8), apagando pelo menos US$ 150 milhões em valor de mercado — em dado momento do dia, a desvalorização passou dos 45%.

Afinal, o que está por trás de um movimento brusco como esse? A resposta é uma mistura de cultura de internet com de sinais de golpe.

Memecoin

A Pepe Coin surgiu como uma brincadeira, inspirada em um meme de um sapo verde baseado em um desenho do cartunista Matt Furie criado há mais de uma década. A imagem ficou famosa em fóruns na internet e virou token seguindo os passos da Dogecoin (DOGE), a mais famosa memecoin do mundo.

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Criptomoedas podem ser criadas por qualquer pessoa com algum conhecimento de programação. A Pepe Coin foi desenvolvida na rede Ethereum (ETH), a plataforma mais popular para criação de tokens. Mas, esses ativos, que surgem aos milhares, podem ter motivação nebulosa — esse é o caso da Pepe Coin, cujo criador é desconhecido e sequer tem relação com Furie.

“Os criadores são anônimos, não sabemos quem está por trás, e mesmo quando olhamos o white paper (guia), que é bastante simplificado, [a criptomoeda] mostra que não tem um roadmap (planejamento) específico para utilidade, nao tem um valor intrínseco e nem um potencial de retorno financeiro”, explicou Vivan Satie, head de investimentos alternativos da Eleven, em entrevista ao Cripto+ (assista à íntegra no vídeo acima).

A especialista ressalta que o projeto fica atrás até mesmo de outras memecoins, que muitas vezes contam com uma comunidade de desenvolvedores por trás e que, eventualmente, podem ganhar alguma utilidade no futuro. A DOGE, anos após o lançamento, já é aceita como meio de pagamento em diversas lojas nos EUA, e há a expectativa que um de seus maiores fãs, o bilionário Elon Musk, arrume um jeito de dar utilidade a ela dentro do Twitter.

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Mas, se a Pepe Coin não tem nada disso, por que subiu tanto?

Trajetória meteórica da Pepe Coin de 17 de abril, quando foi criada, até a listagem na Binance (CoinMarketCap)

O fator Binance

“O lançamento ocorreu em uma rede com bastante volume financeiro (no caso, o Ethereum), então isso facilitou a troca de ETH por Pepe Coin. Mas [a chegada] em uma corretora centralizada chamou muita atenção, com muitos traders e robôs que operam esses lançamentos e conhecem esses movimentos de explosão”, explica Satie.

A analista vê com surpresa que uma criptomoeda como a Pepe Coin tenha passado pelo processo de listagem de uma corretora como a Binance, que é a maior do mundo e deveria, em tese, ter maior critério para selecionar os ativos que escolhe disponibilizar para negociação.

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“Não parece que isso aconteceu. Não [parece ter havido] um processo de auditoria. Os contratos inteligentes, que é o código do token, não parecem ter sido auditados para entender quem são as pessoas que têm acesso às carteiras multisig (que precisam de mais de uma senha para autorizar transações), quem são os responsáveis pelo acesso e se não têm nenhuma brecha [de segurança]”, detalha a especialista da Eleven.

Investidores que apostaram na PEPE correram muitos riscos, explica, entre eles a possibilidade de sofrerem o golpe chamado de rug pull (puxada de tapete). Muito comum no meio cripto, essa fraude envolve a desvalorização repentina de um ativo provocada pelo próprio criador, que usa investidores desavisados como liquidez para vender uma grande quantidade de tokens e embolsar o lucro sozinho — no final, quem comprou fica com moedas digitais na mão sem valor algum.

“Chama atenção o fato de ter sido listado em uma corretora tão grande”, aponta Satie.

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Mas, dá para ganhar com isso?

Segundo a Binance, a listagem se deu por motivo de popularidade. “Se há uma quantidade suficientemente grande de pessoas querendo negociar um token, é provável que o listemos”, disse o CEO da corretora, Changpeng Zhao.

De fato, não se pode dizer que a Pepe Coin não era popular. Mesmo antes de ser listada na Binance, histórias de traders fazendo milhões de dólares com a criptomoeda inundaram as redes sociais. Ao se debruçar sobre os dados públicos consultáveis em blockchain, é possível flagrar alguns casos curiosos: um investidor desconhecido comprou US$ 282 de PEPE e, em dado momento, chegou a transformar o valor em cerca de US$ 9 milhões.

Casos como esse, no entanto, são raros. Na maior parte das situações, quem entra cedo tem informação privilegiada, sabe que o ativo vai ganhar fama nas redes sociais e, eventualmente, será listado em uma grande corretora. Segundo especialistas, é difícil saber o momento de entrada: assim como pode disparar 10.000%, como aconteceu com a PEPE nas últimas semanas, pode desabar e levar o investidor a forte a prejuízo, como visto nos últimos dias com a mesma cripto.

“Muitas vezes esses ganhos astronômicos são com posições alavancadas, que têm um alto risco de perda total do capital investido. O investidor precisa ter bastante consciência de que se ele fizer alocação em um projeto como esse, é algo que pode ou não dar certo no futuro”, recomenda a especialista da Eleven.

Ladeira abaixo

Por enquanto, a disponibilização da PEPE na Binance está marcando o topo de mercado do ativo. A criptomoeda foi listada na Binance na última quinta-feira (4) e disparou 123% na estreia.

No dia seguinte, o ativo caiu quase 30%. Após alívio no domingo (7), voltou a cair ontem, chegando a afundar 45%, e fechando o dia com queda de 30%. O preço já é negociado na corretora abaixo do valor de listagem.

Pepe Coin já é negociada na Binance abaixo do valor de listagem pouco dias após estreia (Reprodução/Binance)

“Parece que a temporada de memes chegou a um fim abrupto”, disse Mati Greenspan, diretor executivo da Quantum Economics, à Bloomberg. “Foi divertido enquanto durou. Mas moedas sem utilidade não podem ir muito longe apenas com hype”.

“O preço das memecoins tende a ser de natureza reflexiva, o que significa que um preço mais alto significa mais atenção e mais pessoas querendo comprar”, disse Kyle Doane, trader da Arca, à Bloomberg. “Mas, à medida que o preço aumenta, o risco/recompensa da negociação só piora”.

Memecoins “entopem” Bitcoin

As memecoins como a Pepe não deixaram prejuízo apenas para quem entrou tarde demais no trade mais lucrativo do mês. O fenômeno da Pepe Coin trouxe consigo uma nova onda de criptomoedas meme criadas na rede do Bitcoin, algo que até pouco tempo não era possível.

O movimento começou com o surgimento de um novo protocolo chamado Ordinals, que permite conectar unidades do Bitcoin (os satoshis) a elementos externos à rede, como imagens (criando NFTs) ou outros ativos (criando tokens).

A novidade trouxe uma avalanche de novas moedas para a rede do Bitcoin, fazendo a maior criptomoeda experimentar, pela primeira vez, um problema familiar para o Ethereum: congestionamento da rede por uma grande quantidade de transações, e taxas altas para executar operações.

Uma das culpadas foi a criptomoeda Ordi, que estreou no fim de semana e viu seu valor de mercado subir para até US$ 900 milhões.

“As altas taxas de rede foram causadas pela cunhagem em massa do token”, disse Jaime Baeza, fundador e sócio do fundo de hedge de ativos digitais ANB Investments, à Bloomberg.

As taxas de transação do Bitcoin subiram de US$ 2 no mês passado para uma média de cerca de US$ 19 na segunda-feira, de acordo com o provedor de dados YCharts. Nesta terça-feira (9), o valor segue subindo, e já ultrapassa os US$ 30.

O problema com o Bitcoin afetou também as negociações na Binance, que chegou a pausar saques de BTC no fim de semana diante de falhas técnicas na rede. No domingo, a corretora movimentou cerca de US$ 4,4 bilhões em Bitcoin em suas carteiras de ativos digitais, segundo a casa de análise CryptoQuant, supostamente como meio de resolver a trava nas retiradas.

O congestionamento na rede do Bitcoin preocupa usuários que contam com o BTC para realizar pagamentos. Mas, para especialistas, a situação deve ser temporária.

“É um movimento natural de acomodação de uma nova funcionalidade dentro de uma rede estabelecida. Obviamente não pode se tornar algo frequente, mas é bastante natural acontecer isso no início”, avalia, Vivian Satie, da Eleven. “[A situação] deve se normalizar ao longo do tempo. Para a rede do Bitcoin é muito positivo, porque atrai novos usuários e investidores”.

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Paulo Alves

Editor de Criptomoedas