Nova regra da Febraban para crédito a frigoríficos gera atrito com o setor

Bancos anunciaram que frigoríficos terão que demonstrar rastreamento de fornecedores até 2025; empresas pedem que os bancos façam o mesmo

Rikardy Tooge

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A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou nesta terça-feira (30) que estabeleceu novas regras para o financiamento da cadeia de carne bovina no país, em especial sobre as obrigações ambientais dos frigoríficos junto às instituições financeiras. No entanto, o setor não avaliou bem a decisão, afirmando que a medida seria uma “terceirização de responsabilidade”.

Os bancos que aderirem à autorregulação deverão solicitar de todos os seus clientes frigoríficos localizados nos oito estados que compõe a Amazônia Legal e no Maranhão a implementação de um sistema de rastreabilidade que permita demonstrar, até o fim de 2025, que a aquisição de gado não está associada ao desmatamento ilegal na região, seja por fornecedores diretos e ou indiretos.

O sistema proposto pelos bancos deverá contemplar informações sobre possíveis embargos contra as propriedades rurais, se há sobreposição em áreas protegidas e se o Cadastro Ambiental Rural (CAR) está em dia. Aspectos sociais, como a verificação do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, também serão considerados.

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A Febraban aponta que 21 instituições financeiras fazem parte da autorregulação, entre elas o Banco do Brasil (BBAS3), maior fornecedor de crédito ao agronegócio, e o BNDES. Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4), Santander (SANB11) e Caixa também fazem parte do grupo.

Chama a atenção também as presenças de bancos mais ligados ao agronegócio, como o Original, da família controladora da JBS (JBSS3), e o Sicredi. As instituições que não seguirem as orientações poderão ser sancionadas pela entidade.

Associação reage

A decisão dos bancos, contudo, não foi bem avaliada pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), que representa JBS, Marfrig (MRFG3), Minerva (BEEF3), entre outras. Embora demonstre apoio a iniciativas que combatam o desmatamento, a entidade avaliou a decisão como “terceirização de responsabilidade”.

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“Os frigoríficos são vistos por diferentes setores como um elo fundamental para que se imponha um ordenamento na cadeia produtiva da pecuária. Nós assumimos nossas responsabilidades, mas não aceitamos que outros setores terceirizem as suas responsabilidades para os frigoríficos”, afirmou a Abiec, em nota.

A associação sugere à Febraban que, além de exigir mais diligência dos frigoríficos, os próprios bancos tenham um sistema próprio de controle de seus clientes na região. O racional é que de nada adiantaria restringir os frigoríficos se as instituições financeiras seguirem ofertando crédito a produtores irregulares.

“Os fornecedores indiretos da indústria são clientes diretos de bancos, portanto é responsabilidade dessas instituições conhecer o seu cliente”, prossegue. “Por isso, é importante que as áreas de compliance e due diligence das instituições financeiras adotem em relação a todos os seus correntistas, inclusive proprietários rurais, os mesmos critérios socioambientais”.

Procurada pelo InfoMoney para comentar a posição da Abiec, a Febraban não havia respondido até a última atualização deste texto.

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Gado e o desmatamento

A pecuária é citada por ambientalistas como uma das atividades responsáveis pelo aumento de desmatamento na Amazônia, região que concentrou cerca de 60% do desmatamento total do Brasil em 2021. Em 2022, 12,5mil km² foram desmatados no bioma, segundo dados do Prodes/Inpe.

Por outro lado, especialistas apontam que a causa principal do desmatamento é a especulação imobiliária. Isso porque a criação de gado, muitas vezes, seria utilizada como forma de “esquentar” a terra para obter a regularização da propriedade, o que permitiria a venda da área depois, por exemplo.

O setor frigorífico busca há anos filtrar seus fornecedores diretos, mas, segundo autoridades, existem problemas com os fornecedores indiretos. Esse indiretos, muitas vezes irregulares, negociam o gado com pecuaristas que estão dentro da lei e que vendem o animal aos frigoríficos.

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Por isso, JBS e Marfrig já anunciaram programas de rastreamento de fornecedores indiretos até 2030.

Para a Febraban, “a data de dezembro de 2025, além de ser mais ambiciosa do que a indicada no acordo firmado pelo país [na COP 26], está alinhada com compromissos assumidos por alguns dos grandes frigoríficos para o monitoramento de seus fornecedores e com compromissos púbicos dos bancos”.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br