Entenda o impacto da decisão da Justiça trabalhista contra a Uber

4ª Vara do Trabalho de SP condenou app a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos

Gilmara Santos

App do Uber
App do Uber

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A decisão da Justiça paulista contra a Uber movimentou o meio jurídico. A 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou o aplicato de transporte de passageiros a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos.

Além disso, a sentença determina que a plataforma digital reconheça o vínculo empregatício de todos os motoristas do aplicativo e registre a carteira de trabalho dos profissionais na condição de empregados, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada trabalhador não registrado. A decisão, de abrangência nacional, é resultante de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP).

“A recente decisão cria insegurança jurídica, um dos maiores vilões do desenvolvimento econômico brasileiro”, opina Luis Borrozzino, membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo e sócio do escritório M3BS Advogados.

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Já Ana Carolina Machado Lima, sócia e coordenadora da área trabalhista do SGMP Advogados, a decisão “vai de encontro com a modernização das relações de trabalho”.

Ana Carolina considera que o reconhecimento do vínculo traz benefícios, mas vem acompanhado de “muitas limitações e impõe uma série de obrigações aos motoristas”.

Para a advogada Yara Leal Girasole, sócia do escritório GHSLG Advogados, a decisão anda na contramão de decisões proferidas pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho). “Embora possa assustar as empresas de aplicativo, não tem efeitos imediatos. A Uber ainda poderá recorrer”, ressalta Yara.

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Ela lembra ainda que há um grupo de estudo que tem por finalidade elaborar uma proposta de regulamentação das atividades de prestação de serviços por meio de plataformas. O grupo foi instituído pelo Decreto 11.513/2023 e as discussões acontecem desde maio 2023 entre representantes dos motoristas, representantes das plataformas, representantes do governo e do Ministério do Trabalho.

“Na minha opinião, a decisão é frágil e precipitada, pois não observa os movimentos de discussão oficiais, nem os paradigmas do Tribunal Superior do Trabalho. Nas discussões do grupo responsável pelo projeto de regulamentação, chegou-se à conclusão de que mais da metade dos motoristas de aplicativo não atingem 40 horas de trabalho no mês”.

O que muda para o motorista

O advogado Mozar Carvalho, sócio-fundador do escritório Machado Carvalho, explica que, com o reconhecimento da relação trabalhista com a Uber, o motorista vai poder pedir:

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“Essa decisão abre um precedente para que os motoristas possam buscar o mesmo direito de forma individual, apesar de que na ação coletiva na qual foi proferida a decisão analisada já garante os direitos a todos os motoristas da Uber, se confirmada nas instâncias superiores”, explica o advogado Richard Abecassis, sócio do Fernandes Figueiredo Françoso e Petros Advogados.

A advogada trabalhista Fernanda Perregil, sócia do escritório DSA Advogados, comenta que a decisão “reforça a importância de se discutir, no panorama legislativo, a natureza da relação dos trabalhadores de plataformas digitais”.

“No caso dos motoristas da Uber já existem várias decisões em ações individuais que reconhecem o vínculo empregatício. Mas essa decisão tem uma proteção mais abrangente, pois envolve um direito coletivo, pelo que seria aplicável a todos os motoristas ativos no momento do cumprimento da decisão, reconhecendo a existência de um dano moral coletivo por conta da precarização dessa mão de obra e da necessidade de proteger o trabalhador em face da automação e a dignidade humana mínima devida a essas pessoas”, opina.

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Impacto da decisão

A advogada Lara Sponchiado, do escritório BBMO Advogados, destaca que a decisão judicial pode ter impacto na própria prestação dos serviços. “Se a Uber optar por continuar no Brasil, é possível vislumbrar algumas reviravoltas na vida dos motoristas”, diz. Entre elas:

Reflexo para outros aplicativos

“Vai ser uma tendência tanto para a 99 quanto iFood pela similaridade de serviços prestados”, diz o advogado Mozar Carvalho.

Abecassis avalia que a decisão pode refletir nos outros aplicativos, mas destaca que há inúmeras decisões nos tribunais trabalhistas em que não foi reconhecido o vínculo de emprego entre os prestadores e os aplicativos. “Mas isso depende de cada caso em específico”, enfatiza.

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O processo

De acordo com nota divulgada pelo MPT, durante a investigação, a instituição teve acesso a dados da Uber que demonstram o controle da plataforma digital sobre a forma como as atividades dos profissionais devem ser exercidas, o que configura relação de emprego.

Na sentença, o juiz Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, afirmou que “o poder de organização produtiva da ré sobre os motoristas é muito maior do que qualquer outro já conhecido pelas relações de trabalho até o momento. Não se trata do mesmo nível de controle, trata-se de um nível muito maior, mais efetivo, alguns trabalhando com o inconsciente coletivo dos motoristas, indicando recompensas e perdas por atendimentos ou recusas, estando conectado para a viagem ou não”.

Segundo o coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do MPT, Renan Kalil Bernardi, a decisão é de grande importância para o debate sobre o tema no Brasil, em razão da ampla gama de dados examinada no curso do processo, bem como do desvelamento da dinâmica do trabalho via plataformas digitais.

“A ação demandou análise jurídica densa e, sem sombra de dúvidas, o maior cruzamento de dados da história do MPT e da Justiça do Trabalho”, destacou.

Outro lado

Procurada, a Uber informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que vai recorrer da decisão e que não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.

“Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo”, diz a nota

De acordo com a empresa, a decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.

“A Uber tem convicção de que a sentença não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido no processo e tenha se baseado, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal”.

“Na sentença, o próprio magistrado menciona não haver atualmente legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho intermediado por plataformas. É justamente para tratar dessa lacuna legislativa que o governo federal editou o Decreto nº 11.513, instituindo um Grupo de Trabalho “com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas”, incluindo definições sobre a natureza jurídica da atividade e critérios mínimos de ganhos financeiros”, complementa.

Ainda conforme a empresa, nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma.

“O TST já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 4ª Turma do TST considerou que motoristas podem “escolher, livremente, quando oferecer seus serviço, sem nenhuma exigência de trabalho mínimo”, o que deixa claro que há “práticas no modelo de negócios das plataformas online que distinguem bastante os serviços realizados por meio delas das formas de trabalho regulamentadas pela CLT”.

Afirma ainda que o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”.

“Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) negou a existência de vínculo e revogou duas decisões de Minas Gerais declarando que uma delas “desrespeitou o entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT” e que a outra “destoa da jurisprudência do Supremo no sentido da permissão constitucional de formas alternativas à relação de emprego””, finaliza a Uber.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.