Juros altos geram dificuldades, mas estimulam competição mais racional em alguns setores da Bolsa

Custo de capital elevado faz empresas focaram mais em rentabilidade e retirarem potenciais subsídios oferecidos a clientes

Vitor Azevedo

(Getty Images)
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Taxas mais altas de juros no Brasil estão impactando as empresas diretamente para além dos maiores gastos com juros sobre suas dívidas. Com o custo de capital mais caro – e seus balanços apertados – companhias agora vêm deixando de subsidiar serviços para garantir fatia de mercado, criando um ambiente competitivo mais racional em alguns setores.

Quando a Selic está em patamares menores, o mercado disponibiliza dinheiro para as empresas com menor seletividade. Investidores aceitam, muitas vezes, financiar projetos com apenas a promessa de crescimento no longo prazo.

“Quando o juros está mais baixo, o padrão para a tomada de decisões fica mais baixo. A gente fica com mais recursos disponíveis, mais baratos, o que permite tirar vários projetos do papel. Dependendo do cenário competitivo, dado que temos tanta liquidez, empresas podem pagar para manter seus espaços”, explica Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos.

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A partir do momento em que a taxa de juros sobe, contudo, a conversa muda. Investidores têm a oportunidade de ganhar dinheiro aplicando em títulos da renda fixa e as companhias têm de apresentar planos racionais de retorno para atraírem capital.

“Por mais que esse movimento seja conhecido pelas pessoas, sempre acontece. A barra sobe, fica mais rigorosa”, contextualiza o especialista da Ouro Preto Investimentos.

E-commerce é destaque em mudança

Um dos principais segmentos de mercado que trouxe esse comportamento em toda a sua extensão foi o e-commerce. As companhias, em seus balanços e teleconferências, falaram amplamente sobre o assunto.

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“Sinto que as plataformas e os mercados se tornaram muito racionais. Quase todo mês tem uma plataforma racionalizando seus preços e repassando custos para aumentar taxas, comissões ou via cobrança de frete. Isso tem nos permitido também repassar esses custos”, falou Fred Trajano, diretor executivo do Magazine Luiza (MGLU3), sobre o marketplace (3P) da companhia.

Apesar do cenário macroeconômico, a varejista viu sua receita bruta de serviços crescer 28,8% entre janeiro e março na comparação ano a ano, para R$ 978,7 milhões – melhora atribuída, principalmente, ao repasse de preços.

“Os números do primeiro trimestre nos dizem muito no sentido de que aumentamos o volume bruto de vendas (GMV, na sigla em inglês) aumentando a taxa de take rate [valor que incide sobre cada transação]. Isso só é possível porque o cenário competitivo é bem mais racional do que quando lançamos o marketplace há cinco anos. Eu cheguei a ouvir em conferências que take rate era só um detalhe”, falou o CEO do Magalu.

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De acordo com os executivos, todo mês há agora notícias de empresas do setor recalibrando suas taxas. O próprio Magazine Luiza pontuou que aumentou as margens cobradas em sua plataforma em fevereiro. Ele defendeu, contudo, que é necessário alguma cautela ao fazer isso para não perder share de mercado.

Na Via (VIIA3), executivos também atribuíram avanços no balanço trazidos no resultado a uma maior racionalidade.

“O lucro bruto foi de R$ 2,4 bilhões, com margem bruta de 32,1%, aumento de 1,4 ponto percentual no ano, explicado pela maior racionalidade do mercado online, pelo foco da companhia em rentabilidade e qualidade de estoque, e pela maior participação de lojas físicas no mix de venda”, disseram no balanço.

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Abel Ornelas, diretor de operações, explicou durante a teleconferência que o mercado de e-commerce está muito disputado, mas defendeu que a varejista ganhou share no primeiro trimestre e em abril por conta dos seus diferenciais competitivos.

Analistas da XP Investimentos acrescentam que o caso da Americanas (AMER3), e a atual posição de dificuldade da empresa, também beneficiaram o setor de e-commerce.

“O que a gente escuta é que era uma companhia que atuava com precificação mais agressiva. Sem ela, há mais espaço para ser racional”, aponta Gustavo Senday, analista de varejo da corretora. “Não é só o custo de capital sozinho a resposta. Há a pressão da dívida financeira, com impacto nos prejuízo. As empresas, então, tem que prezar pela rentabilidade”.

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Outros setores falam em maior racionalidade

O varejo não foi o único segmento que sinalizou que o seu ambiente competitivo está pregando por maior razoabilidade. A mesma discussão apareceu, por exemplo, entre empresas de educação.

A Cogna (COGN3) afirmou que na Kroton, uma das suas principais marcas, houve espaço para aumentar o ticket médio, com maior captação e também com repasse do IPCA nas rematrículas.  Além disso, a companhia vem diminuindo o seu número de campi, com o fechamento de 12 unidades na base anual.

Em entrevista ao InfoMoney, Roberto Valério, CEO da Cogna, explicou que todo o setor de educação está mais racional, o que explica o ticket médio resiliente.

“O foco da companhia em ampliar a base de alunos sem renunciar à qualidade de receita permitiu o crescimento de receita líquida de dois dígitos em Kroton nos últimos 3 trimestres”, destacou o release de resultados do 1T23 da companhia.

A receita  da Kroton subiu 14,9% ano a ano, para R$ 806,3 milhões, em seu terceiro trimestre consecutivo de crescimento de dois dígitos.

A Cielo (CIEL3) talvez seja, por fim, o caso mais marcante quando o assunto é competição racional. A companhia enfrentou períodos difíceis nos últimos anos, perdendo recorrentemente espaço no mercado das adquirentes, mas sempre bateu na tecla que prezava pela rentabilidade.

Recentemente, contudo, ela voltou a ganhar espaço surfando, justamente, no repasse de preços tardio de empresas do ramo – e suas ações vêm repercutindo isso.

“Temos sido bastante enfáticos nas conversas com o mercado sobre o nosso foco em rentabilidade e geração de valor, que são os principais direcionadores para a gestão dos negócios na Cielo”, defendeu Estanislau Bassols, CEO da Cielo. “A filosofia que temos adotado aqui é a de cada vez mais buscar nichos que têm maior rentabilidade e ao mesmo tempo reforçar os canais de afiliação e qualidade de serviço para que possamos ter um crescimento sustentável”.

No primeiro trimestre, a companhia viu seu share no segmento de grandes contas recuar na base anual, mas defendeu que isso se deu por conta de mais um movimento de irracionalidade.

“Esses clientes tinham uma margem que era marginalmente positiva na Cielo, e tiveram uma oferta da concorrência que foi muito muito menor que o nosso preço. Isso nos dá a certeza que os clientes foram para com a concorrência operando de forma negativa. Nós temos falado que nós não vamos atuar alugando market share”, exclamou o CEO.

Os executivos mencionam, porém, que no passado esse comportamento sempre foi revertido.

“O ano de 2022 foi um ano que demonstrou que os clientes que nós tínhamos perdido no passado voltaram em condições de igualdade de preço. Então nós sabemos que esse movimento é cíclico. Ele é pendular. O que nós estamos trabalhando aqui é para continuar melhorando a qualidade, a confiabilidade, a experiência do cliente e a nossa capacidade de customizar, porque nós sabemos que o cliente volta”, falou o diretor executivo.

Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research, explica que com juros maiores as companhias se tornam mais racionais pela dificuldade em se financiar.

“Elas vão investir menos e isso não é sobre apenas investir menos em fábricas. Há investimentos, por exemplo, na tentativa de tirar competidores do mercado. As companhias ficam mais conservadoras”, fala o analista. “As empresas tentam jogar menos margem fora. Quando há a tentativa de invasão de mercado, se opera com margens menores para tentar ganhar mercado”.

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