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A Apple (AAPL34) segue proibida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) de vender iPhones sem carregador no Brasil â e continua descumprindo a determinação â, mas a briga entre a gigante americana de tecnologia e o governo brasileiro ganhou novos capÃtulos (e parece estar longe do fim).
A empresa conseguiu uma liminar que liberou as revendedoras (varejistas, operadoras de telecomunicações e outras empresas) a venderem o aparelho sem o adaptador de tomada. Obteve também a suspensão da multa de R$ 12,2 milhões aplicada à empresa pelo MJSP.
Tudo começou em 6 de setembro, quando o ministério anunciou a proibição da venda de iPhones sem o adaptador de tomada em todo o paÃs e multou a Apple Computer Brasil, além de determinar a cassação do registro dos smartphones da marca, a partir do modelo iPhone 12, na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Inclusive o iPhone 14, que foi lançado só depois.
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Mas a Apple segue comercializando os celulares normalmente, sem o carregador, e diz que “todos os modelos de iPhone vendidos no Brasil estão em conformidade com os regulamentos locais”. A empresa também entrou com um mandado de segurança para suspender a decisão do governo brasileiro, mas não conseguiu.
O Ministério da Justiça, então, notificou 29 revendedores do iPhone, no começo do mês, para que as empresas tomassem ciência da decisão e interrompessem a venda dos aparelhos. Entre elas Amazon (AMZO34), Americanas (AMER3), Carrefour (CRFB3), C&A (CEAB3), Fast Shop, iPlace, Magazine Luiza (MGLU3), Mercado Livre (MELI34), Shopee, Via (VIIA3) e Vivo (VIVT3).
A Apple entende que pode continuar vendendo os iPhones sem carregador porque não teve os registros dos smartphones cassados pela Anatel, mas a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao MJSP e responsável pela decisão contra a empresa, diz que não (veja mais abaixo).
Revendedoras podem; a Apple, não
A Apple recorreu novamente à Justiça e, desta vez, conseguiu suspender liminarmente a notificação dos revendedores â o que, na prática, permite que as 29 empresas possam continuar vendendo os iPhones sem o carregador (mas a própria fabricante do celular, não). Também conseguiu suspender a multa de R$ 12,2 milhões, após recurso à própria Senacon.
Procurada pelo InfoMoney para comentar sobre a nova fase da disputa com o Ministério da Justiça, a Apple não respondeu até o momento. A reportagem procurou também as principais revendedoras notificadas (veja no fim do texto o posicionamento das empresas) e a Senacon, que reconheceu que as revendedoras estão livres da sua decisão contra a Apple.
“A Senacon expediu notificações à s revendedoras, para que tomassem ciência da decisão da suspensão da venda dos produtos, uma vez que estas não fazem parte do processo original â e, portanto, não se encontram sob o efeito da decisão de suspensão da venda”, afirmou a secretaria em nota. “A notificação dando ciência se deu, justamente, para que as empresas, após cientificadas, adotassem as providências e não mais comercializassem um produto que se encontra com as vendas suspensas pela Senacon, sob pena de sofrerem processos administrativos, tal como a Apple”.
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O órgão nacional de defesa do consumidor admitiu, no entanto, que uma decisão judicial da semana passada suspendeu o efeito da notificação dos revendedores. “No dia 13/10/2022, foi parcialmente concedida a liminar perseguida pela Apple em um mandado de segurança, no sentido de suspender as notificações enviadas à s revendedoras. Assim, por ora, as notificações não se encontram com efeitos e, portanto, as revendedoras não estão obrigadas a cumprir a decisão“.
Condenação na Justiça
A Apple tem sofrido uma série de processos administrativos e judiciais no Brasil por vender os modelos recentes de iPhone sem carregador. A última decisão desfavorável foi na quinta-feira (13): a empresa foi condenada a pagar mais de R$ 100 milhões de multa e a entregar o adaptador de tomada para todos os clientes que compraram iPhones nos últimos 2 anos.
A decisão da 18ª vara cÃvel de São Paulo também determinou que a companhia comercialize todos os seus celulares com carregador a partir do trânsito em julgado da sentença (quando não houver mais a possibilidade de recurso).
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O juiz Caramuru Afonso Francisco afirmou em sua decisão que a venda do iPhone sem o carregador é ânÃtida prática abusivaâ e âevidente má-féâ, além de um âcaso evidente de venda casada, ainda que à s avessasâ. A Ação Civil Pública (ACP) que motivou a condenação foi proposta pela Associação Brasileira dos Mutuários, Consumidores e Contribuintes (ABMCC).
âTem-se, portanto, nÃtida prática abusiva, pois há o condicionamento da aquisição de um produto para que se possa ter o funcionamento de outro, o que não é permitido pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidorâ, afirma Francisco.
Questão ambiental
O magistrado também criticou a defesa da Apple, de que parou de fornecer o carregador por uma questão ambiental. âAo se invocar a defesa do meio ambiente para tal medida, demonstra a requerida evidente má-fé, a ensejar quase que uma propaganda enganosa â o que se revela também uma prática abusiva, visto que até incentiva e estimula o consumidor a concordar com a lesão que está a sofrerâ.
A Apple alegou em sua defesa, no processo administrativo da Senacon, que a decisão de não fornecer os carregadores foi por preocupação ambiental, para estimular o consumo sustentável. O mesmo argumento foi usado pela empresa em seu posicionamento à imprensa após a decisão do Ministério da Justiça. âNa Apple, consideramos nosso impacto nas pessoas e no planeta em tudo o que fazemosâ.
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âAdaptadores de energia representaram nosso maior uso de zinco e plástico, e eliminá-los da caixa ajudou a reduzir mais de 2 milhões de toneladas métricas de emissões de carbono â o equivalente a remover 500 mil carros da estrada por ano. Existem bilhões de adaptadores de energia USB-A já em uso em todo o mundo que nossos clientes podem usar para carregar e conectar seus dispositivosâ, disse a empresa.
Processos e multas em série
A empresa também tem sido alvo de processos administrativos de órgãos estaduais e municipais de defesa do consumidor. Ela foi multada pelo Procon-RJ em R$ 12,2 milhões em agosto e pelo Procon-SP em R$ 10,5 milhões em março de 2021 (mas não pagou a multa até agora e entrou na Justiça contra a autuação).
A Senacon diz que a Apple também já foi multada pelos Procons de Santa Catarina, de Fortaleza (CE) e de Caldas Novas (GO) e até condenada judicialmente, mas “até hoje não tomou nenhuma medida para minimizar o dano e segue vendendo aparelhos celulares sem carregadores”.
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Impasse com a Anatel
A Apple entende que pode continuar vendendo os iPhones sem carregador porque não teve os registros dos smartphones cassados pela Anatel, como determinado pelo Ministério da Justiça.
A Senacon diz que a interpretação da Apple, de que “a suspensão da venda e a cassação do registro dos aparelhos estaria condicionada à deliberação pela Anatel”, não procede. “A competência da Anatel diverge da competência da Senacon, que determinou a suspensão imediata da venda, sujeitando à análise da Anatel a questão relativa à cassação de registro dos aparelhos celulares”.
“Enquanto a Anatel tem a competência de atestar a segurança dos produtos e o correto funcionamento destes nas redes de telecomunicações, bem como regular os serviços de telefonia, à Senacon cabe analisar as eventuais violações que produtos â mesmo homologados â podem influenciar ou descumprir nas relações de consumo, além de prejuÃzos causados aos consumidores”, afirmou o órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Procurada novamente pelo InfoMoney, a Anatel não respondeu se acolheu a determinação do Ministério da Justiça, de cassar a homolgação dos iPhones, e manteve o posicionamento divulgado no começo de setembro. Assim, a agência se limitou a dizer que “está analisando o assunto à luz da regulamentação do setor de telecomunicações e se manifestará no momento oportuno”.
Multa de R$ 12,2 milhões suspensa
A Senacon diz ainda que a Apple entrou com recurso administrativo e o pagamento da multa de R$ 12,2 milhões “foi interrompido”, mas a suspensão da venda de iPhones sem carregadores continua. “A medida continua assegurada, já que o recurso interposto pela empresa suspende apenas a cobrança de multa â que ainda não foi paga. Caso a empresa continue comercializando [os celulares], será considerada reincidente e poderá sofrer novos processos administrativos”.
Entenda as infrações que a Apple cometeu, segundo a Senacon:
- Venda casada: a Senacon diz que a Apple pratica venda casada por âdissimulaçãoâ, já que obriga o consumidor a adquirir de forma indireta um segundo produto (o carregador), sem o qual o aparelho principal não funciona;
- Venda de produto incompleto ou despido de funcionalidade essencial: a secretaria diz que a venda do produto sem carregador é suficiente para que ele seja considerado âimpróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou que lhe diminua o valorâ, segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Diz também que, se a utilidade de um bem depende de outro que não é fornecido pelo fabricante, essa prática é ilegal.
- Recusa da venda de produto completo mediante discriminação contra o consumidor: o fator de discriminação adotado pela empresa é a renda do consumidor, pois permite a fidelização e a constante substituição pelo mesmo usuário dos aparelhos, no intervalo de poucos meses ou anos, segundo o órgão de defesa ligado a Ministério da Justiça;
- Transferência de responsabilidades a terceiros: o órgão de defesa do consumidor afirma que âa prática adotada pela Apple gera 2 tipos de transferência de responsabilidadeâ: a transferência da responsabilidade de fornecimento do carregador e a transferência da responsabilidade ao Estado brasileiro e sua polÃtica cambial, já que, mesmo que os aparelhos venham sem o dispositivos para carga, os preços deles não diminuÃram.
Posicionamento das revendedoras
O InfoMoney procurou 13 dos 29 revendores notificados pela Senacon. Veja os posicionamentos abaixo:
Amazon
“A Amazon não comenta sobre casos especÃficos.”
Americanas
“A Americanas informa que recebeu notificação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) a respeito da decisão sobre o processo administrativo envolvendo os aparelhos iPhone. Esclarece ainda que, por meio do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), órgão setorial ao qual é associada, respondeu à correspondência solicitando esclarecimentos para resguardar seus consumidores. A Americanas ressalta que o respeito à s normas de proteção do consumidor é um valor fundamental de sua atuação.”
Fast Shop
“A Fast Shop está acompanhando o tema e as decisões do caso para a tratativa adequada com os nossos clientes. A empresa esclarece que age legalmente quando revende os produtos da forma que os recebe dos seus fornecedores. Reforçamos que os efeitos da decisão não se aplicam à rede neste momento.”
Magazine Luiza
Disse que o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV) vai se pronunciar em nome dos associados.
Mercado Livre
“O Mercado Livre informa que, em resposta enviada para a Secretaria Nacional do Consumidor, solicitou os esclarecimentos necessários sobre os efeitos da decisão. A companhia reforça que sempre colabora com as autoridades e que cumpre integralmente a legislação, assim como as decisões judiciais e administrativas de acordo com a realidade técnica e jurÃdica especÃfica e aplicável à sua atividade de plataforma de intermediação na internet.”
Via (dona da marca Casas Bahia e Ponto)
Disse que não vai se manifestar no momento.
Vivo
“A Vivo informa que não comenta processos em curso.”
Carrefour, C&A, Havan, iPlace, Kabum e Shopee foram procurados, mas não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
Os outros 16 revendedores notificados pela Senacon são:
- NOVO MUNDO S.A.
- LUCAS DIEGO DE JESUS RAMOS (SMARTSSHOP)
- CARVALHO E MAGALHAES TECNOLOGIA LTDA. (OPTI TECNOLOGIA)
- MOSAICO TECNOLOGIA AO CONSUMIDOR S.A.
- JOHNNI SANTOS BISPO (NEO ZENIX)
- EPARTS SHOPP EIRELI
- CASA & VIDEO BRASIL S.A.
- LUIS VINICIUS SOUZA E SILVA.
- INFOAR COMERCIO E SERVICOS EM AR CONDICIONADO E INFORMATICA EIRELI.
- GAZIN INDUSTRIA E COMERCIO DE MOVEIS E ELETRODOMESTICOS LTDA.
- TECNO INDUSTRIA E COMERCIO DE COMPUTADORES LTDA. (IBYTE COMPUTADORES)
- ON STORES SERVICOS DIGITAIS LTDA.
- BALBINO SHOP EIRELI
- URBANI GAMES EIRELI.
- BEMOL S/A.
- SHOPFACIL SOLUCOES EM COMERCIO ELETRONICO S.A.

