Afinal, em que posição está o Brasil na corrida mundial pelos semicondutores?

Governo federal incluiu painéis fotovoltaicos na lista de desonerações, mas especialistas dizem que é preciso um projeto maior

Wesley Santana

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Dos smartphones aos automóveis, os semicondutores fazem qualquer dispositivo eletrônico funcionar. Com o avanço da inteligência artificial, a discussão em torno desses dispositivos ganha ainda mais relevância, já que eles são fundamentais para o processamento de dados e, consequentemente, para o futuro da tecnologia.

Não é à toa que há uma corrida mundial para ocupar a liderança na produção de semicondutores, a guerra dos chips. Países como China, Índia e Estados Unidos -além da União Europeia- estão injetando bilhões de dólares para ampliar a fabricação e exportação destes equipamentos que devem ditar o ritmo dos avanços nos próximos anos.

O Brasil, porém, parece ainda não ter uma estratégia muito clara sobre esse assunto. O governo federal até já teve uma empresa que cuidava especificamente deste tipo de produção, a CEITEC, inicialmente liquidada pela gestão Bolsonaro, com o processo interrompido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e que agora voltou a ser tema de discussão com possibilidade de ter suas atividades reativadas.

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Enquanto esse impasse não é resolvido, a posição do Executivo tem sido na linha da desoneração de tributos para incentivar a confecção local e a entrada de plantas estrangeiras em território nacional. Recentemente, a Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação conseguiu no Congresso a extensão do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) até 2026.

Com este programa, o planalto espera alcançar até US$ 2 milhões em desoneração por ano, e assim começar a pavimentar o caminho para o crescimento do setor dentro do país. Henrique de Oliveira Miguel, secretário responsável pela gestão do programa, destaca que essa prorrogação engloba especialmente o ecossistema de produção de painéis fotovoltaicos, que até era contemplado pela primeira versão do PADIS, mas de forma reduzida, já que parte dos componentes para a montagem ficava de fora.

“Isso era uma inviabilidade técnica que precisava de ajustes, que foram incorporados na lei e permite que a fabricação de células de painéis fotovoltaicos possa se beneficiar dos incentivos”, destaca Henrique ao IM Business. Segundo o secretário, incluir estes itens na lista de desoneração deve ampliar a participação do país na geração global de energia fotovoltaica, aumentando uma atividade que tem se consolidado nos últimos anos.

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De acordo com a Agência Internacional de Energia, o Brasil já é um dos dez maiores produtores de energia fotovoltaica do mundo, tendo somado 24 GW (Gigawatt) no ano passado, potência suficiente para abastecer uma grande metrópole. Há cinco anos, o país figurava entre os 30 principais produtores.

“O caminho é esse: ampliação do prazo do PADIS e inclusão das células de painéis fotovoltaicos no programa, etapas que já foram realizadas. Agora, os próximos passos são: incentivar as empresas que operam no país a diversificar sua produção, fortalecer o desenho dos semicondutores e interagir com outros governos que têm seus programas para avaliar a possibilidade de integração”, descreve Henrique, que é funcionário de carreira do MCTI.

É suficiente?

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, desde a virada do milênio, o Brasil tem passado por um processo de desindustrialização, com a queda da participação da indústria no PIB. Esse movimento foi na contramão de vários países, sobretudo os asiáticos, que aplicaram recursos para incentivar a fabricação local de diversas categorias e hoje se destacam na liderança dos semicondutores.

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Na análise de Alberto Boaventura, gerente sênior da consultoria Deloitte, o país precisa reverter esse processo e focar na força industrial e tecnológica. Para ele, o ideal seria uma estratégia no mesmo modelo de quando se discutiu a internet das coisas, que deu origem a um plano nacional em que se casou investimentos, políticas públicas e promoção de capacitação profissional.

“É preciso criar um projeto para semicondutores que seja multidisciplinar, observando as possíveis demandas do Brasil e trazendo como balizador o que acontece na comunidade europeia”. “É uma discussão que tem que ser ampla, com o setor público, indústria e comunidade acadêmica”.

Segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, hoje existem apenas 11 fábricas produzindo semicondutores em solo nacional, todas no chamado backend, etapa de finalização do produto. Fazendo uma analogia à confecção de um caderno, é como se o ciclo inicial, de front end, fizesse toda a produção do papel e o desenho final do material, e o final ficasse com o recorte de cada folha com suas linhas.

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A HT Micron, agora vinculada ao conglomerado coreano Hana Micron, atua neste último estágio da cadeia, encapsulando e testando os chips para marcas que fabricam smartphones no país. Já pensando no mercado de smartphones 5G, recentemente, a empresa gaúcha conseguiu aprovar um financiamento de R$ 99 milhões com o BNDES para subsidiar a montagem de memória para esses dispositivos mais modernos.

“Esse financiamento vai servir para trocar de tecnologia e se adaptar aos smartphones 5G, que são mais rápidos e, portanto, precisam de uma memória que acompanhe. Essa nova tecnologia mudou a forma como são fabricados esses aparelhos, então é preciso modernizar a linha de produção, substituindo a maior parte dos equipamentos”, destaca Edelweis Ritt, pós-doutora em Ciências da Computação e diretora de alianças estratégicas da HT Micron.

Assim como outras empresas do setor, a HT Micron acredita que os investimentos em semicondutores passam também pela educação, dado que há déficit de mão de obra qualificada, sobretudo no desenho dos materiais. A própria Deloitte estima que, para suprir a demanda mundial, seria necessário o acréscimo de 100 mil novos profissionais especializados todos os anos ainda nesta década, o que requere incentivos do governo para a profissionalização e esforço para conter a fuga de cérebros.

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“Para mim, o grande segredo é a forma como vai se reconstruir um caminho para a reingresso do país nesse cenário, formação de massa crítica e investimentos que sejam sustentáveis e robustos. Não adianta pensar em fazer investimentos na computação neuromórfica, por exemplo. Não é que seja algo inatingível, mas não vai resolver os problemas de médio prazo do país. É preciso desoneração, investimento em capacitação e garantias para os investidores, no sentido de entender onde quer se posicionar dentro da indústria”, prevê o executivo da consultoria global.

No último relatório da  Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado em junho, os dados mostraram que a indústria de semicondutores é totalmente dependente dos governos e que ela não cresce sem subsídio. Ritt, da HT, portanto, conclui que não vai existir produção de semicondutores em todos os países do mundo, mas que os que querem ter independência precisam “investir massivamente para superar a barreira de entrada, que já está alta”.