Divisão no governo gera ruídos sobre meta fiscal, mas déficit zero ainda pode cair de 2 formas

Com votação na CMO, governo perde opção de enviar mensagem presidencial para fazer mudança, mas ala política mantém pressão por déficit em 2024

Marcos Mortari

Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e da Casa Civil, Rui Costa (PT), concedem entrevista coletiva (Foto: Diogo Zacarias)
Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e da Casa Civil, Rui Costa (PT), concedem entrevista coletiva (Foto: Diogo Zacarias)

Publicidade

A aprovação do parecer preliminar do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024 ontem (7) pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional com meta fiscal de déficit zero no ano que vem deu mais tempo para o Ministério da Fazenda na batalha pelo equilíbrio das contas públicas, mas não é garantia de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desistiu da ideia de flexibilizar o objetivo estabelecido.

A LDO dá as bases para a formulação do Orçamento em questão e deveria ter sido votado pelo parlamento até julho, mas teve seu calendário alongado por conveniência política − o que, inclusive, forçou o Poder Legislativo a ter um recesso informal no meio do ano, com todos os prazos regimentais para proposições contando mesmo com a paralisação de atividades nas duas casas.

Com a votação na CMO, o governo não tem mais a opção de enviar mensagem presidencial para modificar a meta de déficit zero em 2024. A ideia era defendida internamente por alguns integrantes do Palácio do Planalto, temerários com os riscos de o atual objetivo estabelecido resultar em um elevado contingenciamento no próximo exercício orçamentário em pleno ano eleitoral. Mas acabou não prosperando em meio à repercussão negativa de sinalizações atabalhoadas de mudanças.

Continua depois da publicidade

Agora, caso queira modificar a meta fiscal − cenário ainda visto como o mais provável em Brasília −, o governo precisará lançar mão de outros instrumentos. O principal deles envolve o patrocínio a uma emenda a ser apresentada por congressista aliado sugerindo a alteração. Nesta hipótese, o prazo para que o movimento seja feito é até as 18h de 16 de novembro. Depois disso, é feito o relatório final, que deve ser entregue em 19 de novembro e votado na comissão no dia 22.

O relator da matéria, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), afirmou, em conversa com jornalistas ontem, que o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), indicou que o governo pode fazer esse movimento até a próxima semana. O chefe da articulação política do governo é o principal defensor no Palácio do Planalto da mudança e que ela ocorra o mais breve possível, em oposição ao que deseja o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que tenta ganhar tempo para fazer avançar sua agenda de arrecadação.

Já o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), tem dado indicações de que apoia a manutenção da meta atual. Em entrevista coletiva na semana passada, ele afirmou que não fazia sentido discutir a mudança dos objetivos no momento em que a equipe econômica se esforçava para aprovar uma agenda fiscal.

Continua depois da publicidade

“O governo está estudando possibilidade de apresentar uma emenda para a revisão da meta. Essa resposta [se vai alterar a meta ou não] depende do governo, é uma iniciativa deles, não nossa. Ele [Costa] pediu um prazo para que seja apresentada ou não a emenda que vai refazer a revisão da meta. O ministro Rui ficou de tomar essa decisão [sobre revisão da meta] até o dia 16 de novembro”, disse Forte.

De um lado, a equipe econômica avalia que adiar a revisão reduziria o “custo” do movimento junto a agentes econômicos após um esforço de conquista de credibilidade. Além disso, há um entendimento de que a mudança na meta prejudicaria o andamento de medidas de arrecadação no Congresso Nacional e poderia levar o governo a pedir um déficit maior do que o que seria necessário.

De outro lado, a ala política tem consciência de que o cumprimento do déficit zero em 2024 é inviável, mas a manutenção deste objetivo poderia implicar em cortes relevantes no Orçamento ao longo do ano. Este campo entende que o ideal seria realizar a revisão da meta o quanto antes para reduzir o risco de empurrar o movimento para 2024 a custos políticos (e reputacionais, em razão de contingenciamentos) mais elevados.

Continua depois da publicidade

Mesmo se a ideia de mudar a meta fiscal prosperar, ainda não há clareza sobre qual seria o novo objetivo a ser perseguido pelo governo no ano que vem. Nos bastidores, o número que mais circula é de um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) − o que, pelas regras do novo arcabouço fiscal, permitiria um desequilíbrio de 0,75% sem que gatilhos fossem acionados em 2025 e que o governo tivesse um ajuste menor para as despesas desse exercício. Mas que ainda assim pode não blindar o Orçamento de contingenciamentos (embora mais moderados).

A ideia é que o Ministério da Fazenda elabore, nos próximos dias, estudos que embasem a decisão sobre a nova meta fiscal. A pasta, no entanto, deseja ver a medida provisória ou o projeto de lei que mudam as regras para subvenções via ICMS avancem no Congresso Nacional. A proposição é hoje a principal aposta de Haddad para elevar as receitas para o ano que vem e reduzir a pressão por uma alteração maior na meta fiscal.

Um dos candidatos a assinar a emenda para alterar o objetivo é o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que já externou críticas a movimentos da Fazenda no âmbito da política fiscal. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o parlamentar disse que protocolará uma emenda com a mudança da meta para um déficit primário de 0,75% do PIB e outra de 1%.

Continua depois da publicidade

A preocupação dele é que, dependendo da dinâmica das contas e o objetivo estabelecido, o governo se veja, logo no início do ano, a contingenciar um elevado montante e inviabilizar a execução do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de programas sociais. No mundo político, há também receio com os potenciais impactos sobre as emendas parlamentares às vésperas de eleições municipais, quando muitos congressistas disputam cargos no Poder Executivo ou participam ativamente de pleitos irrigando suas bases eleitorais e auxiliando aliados locais.

Pela lei complementar que instituiu o novo arcabouço fiscal, o nível mínimo de despesas discricionárias é de 75% do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual. Com os atuais números da peça orçamentária, a nova regra fiscal permitiria, caso houvesse necessidade em razão da dinâmica das contas públicas, a possibilidade de cortes de até R$ 53 bilhões em 2024 − montante considerado irreal não apenas entre congressistas, mas até por especialistas em contas públicas.

Vale lembrar que no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, o governo indicou necessidade de R$ 168,5 bilhões em receitas adicionais para cumprir a meta de zerar o déficit fiscal. Caso o objetivo não seja alterado e as medidas arrecadatórias não revertam o quadro apontado, o contingenciamento em nível máximo permitido pela regra fiscal precisará ser cumprido pelo Executivo.

Continua depois da publicidade

O relator da LDO já deu diversas declarações indicando ceticismo com a possibilidade de a meta de zerar o déficit em 2024 ser cumprida. Mas reitera que uma eventual mudança seria atribuição do Poder Executivo. “Essa responsabilidade é que tem que ficar titularizada para depois ter a cobrança. Porque a cobrança, se der errado, é do governo. É de quem fez”, disse.

No mercado financeiro, o quadro também é de desconfiança. O último relatório Focus, divulgado na segunda-feira (6) pelo Banco Central, mostrou que a mediana das projeções de analistas consultados para o resultado primário do ano que vem aponta para um déficit de 0,80% do PIB.

Outro levantamento, realizado pela XP Investimentos na semana passada, também mostrou que três em cada quatro agentes do mercado financeiro acreditam que o governo alterará a meta de resultado primário de 2024. Desses, a maioria (39%), porém, espera que o movimento ocorra apenas no primeiro trimestre do ano que vem, quando será divulgado o primeiro relatório bimestral de receitas e despesas.

Além da ideia de patrocinar uma emenda ao PLDO de autoria de parlamentar aliado, o governo também tem como caminho para alterar a meta fiscal um possível (mas menos provável) acordo com congressistas. E, ainda, caso a peça seja aprovada com déficit zero, apresentar um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) − tipo de proposição destinada a tratar sobre matéria orçamentária, de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo. Neste caso, o movimento poderia ser feito a qualquer momento, inclusive ao longo do exercício de 2024.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.