Congresso tem pelo menos 22 projetos que tratam sobre tributação de dividendos e JCP

Tributaristas se dividem entre críticas a possível aumento da carga tributária e enquadramento a padrões estabelecidos pela OCDE

Luís Filipe Pereira

O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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Com o governo federal reforçando a intenção de lançar mão de iniciativas para aumentar a arrecadação e reduzir o déficit fiscal, proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, e que tratam de uma possível tributação de lucros e dividendos, além da revogação do tratamento diferenciado ao mecanismo de juros sobre capital próprio, podem voltar a pautar os debates no segundo semestre.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem manifestado o desejo de encaminhar ao Congresso Nacional uma segunda fase do debate tributário, focado na cobrança de impostos sobre a renda. A ideia é que o parlamento já comece a discutir neste início do semestre temas como a tributação de “offshores” mantidas por brasileiros no exterior e fundos exclusivos, além das próprias regras envolvendo JCP.

Mas o debate sobre cobrança de lucros e dividendos deve ficar para depois de o Senado Federal analisar a Proposta de Emenda à Constituição que trata dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019), no que tem sido apontado como a segunda etapa da discussão da reforma tributária. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), porém, tem recomendado cautela, de modo a evitar que a nova etapa do debate afete a tramitação da PEC recém-aprovada pelos deputados.

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Levantamento realizado pelo InfoMoney encontrou 15 projetos de lei que tratam sobre fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a tributação de dividendos em tramitação na Câmara dos Deputados, e outras sete matérias sob análise do Senado Federal.

De acordo com a legislação atual, os dividendos recebidos por acionistas são isentos de imposto de renda, enquanto já existe tributação do lucro das empresas, com 25% de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% referente à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) — para o caso de empresas que auferem lucros mensais acima de R$20 mil. Sobre os juros sobre capital próprio incide a alíquota de 15% de imposto de renda na fonte, e o montante não é taxado antes que ocorra a distribuição.

Uma das propostas, de autoria do Poder Executivo durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o PL 2.337/2021, trata da reforma do Imposto de Renda. A matéria foi aprovada na Câmara com profundas modificações e tem como relator no Senado o parlamentar Ângelo Coronel (PSD-BA), que defende a criação de um novo texto. De acordo com o substitutivo relatado pelo então deputado federal Celso Sabino (União Brasil-PA) ‒ hoje ministro do Turismo ‒, há sinalização para taxar lucros e dividendos em 20%, em imposto de renda retido na fonte.

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O texto também prevê que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) seria reduzido de 15% para 8%. De acordo com a proposta, o adicional de 10% previsto na legislação para lucros mensais acima de R$ 20 mil continua valendo. Já a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) diminuiria 1 ponto percentual, passando de 9% para 8% em geral — mas isso estaria condicionado à redução de incentivos tributários (para aumento da arrecadação).

De autoria conjunta de 11 deputados federais, entre eles Erika Kokay (PT-DF) e Henrique Fontana (PT-RS), o PL 1485/2015 altera a Lei n.º 9.249/1995 e também propõe a taxação de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos pagos por pessoas jurídicas, além da exclusão da possibilidade de dedução da base de cálculo do IRPJ de juros sobre o capital próprio pagos a sócios.

A matéria tramita com outras 32 proposições apensadas ao PL 1418/2007, que originalmente tem por fim a alteração das regras de tributação dos rendimentos financeiros percebidos por beneficiário residente ou domiciliado no exterior.

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“A dedução dos juros sobre o capital próprio é uma despesa fictícia, um privilégio fiscal que desconsidera que os titulares, sócios ou acionistas já são remunerados pela apropriação dos lucros e dividendos da atividade empresarial”, argumenta a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do Partido dos Trabalhadores, em proposição de sua autoria protocolada na Câmara dos Deputados (PL 3780/2019), que também pede uma mudança no entendimento atual sobre o mecanismo.

Juros sobre capital próprio são calculados a partir do patrimônio líquido das pessoas jurídicas. Sobre esse valor contábil, que inclui a soma entre capital social, reservas de capital, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados, é aplicada a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente Taxa de Longo Prazo (TLP). Uma vez obtido o valor, ele é classificado como despesa, e neste momento não há incidência de IR ou CSLL. Ao chegar ao acionista, a quantia é descontada em 15%, referente ao IR retido na fonte. O que reduz o custo do crédito para a empresa.

“Quando uma empresa toma empréstimos para iniciar um negócio, é correto que possa abater do lucro as despesas de juros, porque isso é uma forma de compensar o risco que a pessoa jurídica assumiu para gerar empregos e renda. Mas, quando não há risco junto a terceiros, quando o capital da empresa é o capital do seu próprio dono, a operação de redução fictícia do lucro por meio de juros pagos ao dono da empresa nada mais é do que uma fórmula legal de sonegar impostos”, criticou o deputado Patrus Ananias (PT-MG), em justificativa do projeto de lei de sua autoria, que propõe a revogação do tratamento especial concedido ao mecanismo pela legislação atual.

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No Senado, propostas protocoladas por Eduardo Braga (MDB-AM), Rose de Freitas (MDB-ES) e Angelo Coronel (PSD-BA) também atacam a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio para efeitos da apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

“À época de sua instituição, no longínquo ano de 1995, a possibilidade de dedução dos JCP buscava equalizar a carga tributária incidente sobre a pessoa jurídica que se financia com dívida com aquela que recai sobre a pessoa jurídica que se financia com recursos próprios, em um contexto em que se procurava, a partir do Plano Real, superar décadas de hiperinflação”, pontua Rose de Freitas.

“Esta medida não traz prejuízos à estrutura de financiamento das pessoas jurídicas, pois a análise das demonstrações financeiras das empresas brasileiras demonstra que o endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial”, finaliza.

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Para Breno Kingma, advogado sócio da área tributária do escritório Vieira Rezende, acabar com a isenção e impedir a dedução dos juros sobre capital próprio pode refletir em um aumento na carga tributária, desestimulando futuros investimentos.

“A lógica por trás dos juros sobre capital próprio funciona como um empréstimo feito pelos sócios à companhia com juros mais baixos, no caso, a TJLP. Acabar com a dedução desses juros da base do imposto de renda pode prejudicar o crescimento das empresas e sua robustez financeira. Além disso, a isenção dos dividendos e a dedução do JCP pagos estão no cálculo da carga tributária total suportada pelas empresas desde 1995. Os cálculos dos governos sempre levaram essas variáveis em consideração desde então”, argumentou.

Além de proposições que abordam conjuntamente o tema, há matérias tratando de maneira particular cada assunto. Projeto do deputado José Nelto (Podemos-GO), proposto em 2021, sugere que “lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir de 2022, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado estarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda, calculado à alíquota de 10%”.

Dois projetos sobre a tributação de lucros e dividendos são de autoria do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP). O mais recente é de 2021. Na peça, o parlamentar sugere taxação de 15% na fonte, revogando o artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que diz que “lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior”.

“O tratamento tributário dispensado pela legislação em vigor, que privilegia a distribuição de lucros e de dividendos, fere os princípios que a Constituição Federal estabelece como norteadores da tributação sobre a renda. O Estatuto Político Supremo determina que esse imposto ‘será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade’. Tais princípios restam desrespeitados quando não há generalidade e universalidade na incidência do tributo, o que acontece ao se excluir da incidência os lucros e os dividendos”, justificou.

Quem também é a favor da taxação dos lucros e dividendos distribuídos por empresas aos acionistas é o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do governo Lula no Congresso Nacional. Em proposição de 2019 (PL 2340/2019), ele sugere que “lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, que beneficie pessoa jurídica ou física, domiciliados no País ou no exterior, integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário”.

Conformidade com a OCDE

Além de permitir maior arrecadação por parte do governo, uma eventual tributação de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, e a revogação da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio, colocaria o Brasil em conformidade com parâmetros estabelecidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Ao mesmo tempo, defensores das propostas alegam que haveria mais recursos no combate às desigualdades, com a possibilidade de maior investimento em políticas públicas voltadas à educação, saúde e infraestrutura.

O advogado Érico Pilatti, sócio do Cepeda Advogados e especialista em direito tributário, crê que a discussão sobre modelos tributários precisa dialogar com o momento da sociedade de se adequar, ou não, a um eventual aumento da carga tributária. Segundo ele, para além de ser positiva ou negativa, trata-se de uma questão envolvendo diretrizes de política econômica, que também deve abranger pontos como a desoneração da folha de pagamento das empresas, por exemplo.

“No caso da tributação de dividendos, é preciso verificar o efeito global. Considerando as diferentes formas de atividade — Simples Nacional, lucro presumido, lucro real —, é interessante observar as estruturas. Se a premissa for não aumentar a carga tributária, não adianta se falar sem ter uma redução na carga de imposto de renda”, ponderou.

“Caso a medida [tributação de dividendos] venha acompanhada de outras medidas que reduzam a tributação das pessoas jurídicas pagadoras de dividendos ou de iniciativas que aliviem a carga tributária sobre o consumo de bens e serviços, do ponto de vista empresarial, pode haver o benefício de redução do ‘custo Brasil’, da taxa de juros e da inflação, uma vez que o nosso perfil tributário passaria a privilegiar a ‘ponta’ (recebimento de dividendos por sócios e acionistas) e aliviaria produção e consumo, que afetam os mais pobres com maior gravidade”, disse o advogado tributarista Antonio Henrique Noronha, sócio do Lampert Advogados.

Atualmente, no Brasil, a carga tributária incidente apenas sobre o consumo é de 13,5% do PIB (segundo estudo da Receita Federal do Brasil de 2020), bem superior à média dos países da OCDE”, complementou.