Após rompimento, Caiado nega incoerência por apoio a Bolsonaro e minimiza “divergências” com presidente

Governador reeleito de Goiás afirma que, caso Lula vença a eleição, não haverá “intranquilidade”

Fábio Matos

Depois de romper publicamente com o presidente Jair Bolsonaro (PL) no início da pandemia de Covid-19, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) – reeleito para um segundo mandato à frente do estado – afirmou que as divergências entre eles já estavam superadas havia algum tempo e rebateu as críticas de que estaria sendo incoerente ao se engajar na campanha do chefe do Executivo no segundo turno.

Médico de formação, Caiado entrou em choque com Bolsonaro logo nos primeiros meses da pandemia, ainda em 2020, quando o presidente começou a criticar prefeitos e governadores que defendiam o isolamento social e cobravam do governo federal a compra de vacinas contra a Covid-19.

“Sou uma pessoa extremamente coerente. Se eu tivesse mudado a minha posição em relação às ações que tomei para enfrentar a pandemia, aí sim. Esse é um assunto superado em decorrência da chegada da vacina e dos protocolos que implantei”, disse Caiado em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

“Se você for contabilizar quais são as divergências, foram do ponto de vista do protocolo, que cumpri com base na ciência. Isso aí é um assunto”, prosseguiu o governador de Goiás. “Não me impediu de fazer convênios com o Ministério da Saúde, ampliar e regionalizar minha rede, expandir minha rede de educação, ter segurança pública e programas sociais.”

Voto eletrônico e STF

Caiado também fez questão de demarcar outras diferenças importantes em relação a Bolsonaro e defendeu, por exemplo, o sistema eletrônico de votação no Brasil – combatido com frequência pelo presidente, que o coloca em dúvida.

“É uma análise de ordem pessoal, que cabe mais ao candidato que a mim. Cada um tem a sua análise do que fez, como fez, de que maneira defende. Eu só perdi eleição enquanto tinha urna de cédula. Depois que colocaram a urna eletrônica, eu ganhei todas”, brincou. “Eu não tenho nada contra. Está mais do que comprovado que é exatamente o sentimento do eleitor, reproduz aquilo que realmente a pessoa votou.”

O governador goiano também minimizou a pressão de aliados de Bolsonaro para que, em um eventual segundo mandato, o presidente tente aprovar no Congresso um projeto que aumente o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Caiado, por sua vez, afirmou ser favorável à discussão sobre mandatos para os magistrados da Suprema Corte.

“Em primeiro lugar, uma coisa é você ter a sua ideia. Outra coisa é aprovar isso no Congresso. Eu, sinceramente, acho que a tese de você ter mandato é muito mais democrática”, defendeu. “Se ele [presidente] tem força para aumentar, tem força para nomear. Se ele coloca todos os ministros com 40 anos de idade, todos terão 35 anos de mandato. Eu sou defensor do mandato no Supremo.”

Orçamento secreto

Na entrevista à Folha, Ronaldo Caiado ironizou a promessa de Lula de acabar com o chamado “orçamento secreto” – as emendas de relator – caso seja eleito presidente da República.

“Essa é uma tese de campanha eleitoral. Eu fui parlamentar durante 24 anos. ‘Olha, eu vou combater…’ Vem cá, você tem maioria lá? Você construiu maioria lá dentro para fazer isso? Então isso não é assim, não é blefando”, afirmou.

O governador admitiu que conseguiu diversos repasses para seu estado justamente por causa das emendas de relator. “Sim. Uma parte substantiva do dinheiro, foi. Outra parte foi convênio direto com o Ministério da Educação, com o Ministério da Saúde. Esse é um debate, eu não me omitiria nunca de fazer, faço e fiz com os meus deputados. E eles compreenderam. E aí, qual é a minha necessidade? Eu preciso de uma policlínica na região oeste do estado. Fizemos, eu fui lá e disse: está aí também a emenda do deputado que ajudou a construir isso tudo. Não tirei o mérito dele, mas não desfigurei meu projeto”, explicou.

Lula

Questionado sobre a disputa entre Bolsonaro e Lula no segundo turno da corrida presidencial, Caiado deixou claro que não tem qualquer afinidade com o PT. “Eu, com 39 anos de idade, fui candidato a presidente da República no momento em que enfrentei também o PT e Lula [em 1989]. Então, isso é uma história de vida”, disse. “Você vai naquilo que não é contraditório do que você defendeu a vida toda. Nunca abri mão da vida, do direito à propriedade, da economia de mercado, da liberdade do cidadão. São princípios que sempre defendi.”

Entretanto, o governador de Goiás garantiu que, em caso de vitória de Lula, a relação institucional com o presidente será tranquila.

“Eu aprendi que você tem que respeitar a liturgia do cargo público. Se ele for o presidente, eu chegarei lá como governador do estado de Goiás. Da mesma maneira, ele vai me tratar como sendo presidente da República. Eu respeito a liturgia, mas consciente das minhas prerrogativas, dos meus direitos e do que devo levar para o povo de Goiás”, afirmou. “Essas coisas, na democracia, não significam que você não vá conversar, que seja inimigo. Essas coisas não me dão nenhuma intranquilidade.”