FIDCs fora, alíquotas menores e novas classificações: o que muda com a nova versão do PL das offshores?

Parecer preliminar foi apresentado no dia 3 pelo relator Pedro Paulo; projeto trata da tributação sobre aplicações financeiras no Brasil e no exterior

Marcos Mortari Bruna Furlani

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) durante sessão no plenário da Câmara dos Deputados (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) durante sessão no plenário da Câmara dos Deputados (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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O substitutivo apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) ao projeto de lei que trata da tributação sobre aplicações financeiras mantidas por brasileiros no exterior de forma direta, por meio de controladas (offshores) e trusts (PL 4.173/2023), manteve a maioria dos pontos tratados na versão original defendida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O texto também incorporou os principais dispositivos previsos em medida provisória (MPV 1.184/2023) editada pelo presidente para modificar as regras de tributação dos fundos exclusivos (também conhecidos como fechados ou onshore), com algumas modificações pontuais e ajustes de redação.

Do lado dos investimentos fora do país, a principal mudança envolve a alíquota cobrada de contribuintes que optarem por aderir ao regime de transição e atualizarem o valor de suas aplicações antes da efetiva distribuição dos ganhos à pessoa física.

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Neste caso, a pessoa física residente no País poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua Declaração de Ajuste Anual (DAA) para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 e tributar a diferença para o custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 6%. O texto original encaminhado pelo governo previa taxa de 10%.

A mudança poderá reduzir o nível de arrecadação esperado com a regra de transição, mas integrantes da equipe econômica destacam que a adesão pode se tornar mais atrativa com a alíquota ainda menor, atraindo mais investidores para a regularização antecipada.

O substitutivo manteve a lógica de que quem decidir não aderir permanecerá sob as regras antigas, mas sujeitos à nova tabela de alíquotas do IRPF, caso o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso Nacional.

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Também foi mantida a tabela unificada para a cobrança de imposto sobre rendimentos de aplicações financeiras de pessoas físicas no exterior e os lucros gerados por controladas (“offshores”), com alíquotas que vão de 0% (ganhos anuais até R$ 6 mil) a 22,5% (ganhos anuais que superarem R$ 50 mil).

Desta forma, afastam-se dúvidas sobre a tabela de referência usada por cada modalidade – se a progressiva de IRPF (que vai de 0% a 27,5%) ou a de ganhos de capital (que vai de 15% a 22,5%).

No caso de investimentos diretos, o texto mantém o chamado regime de caixa (em que o imposto é recolhido apenas no momento do resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação das aplicações), mas a declaração passa a ser anual.

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As “offshores” são o ponto central da proposta, tanto do ponto de vista regulatório quanto como fonte de arrecadação. Para contribuintes que usam essas estruturas, o texto prevê substituição do regime de caixa para o chamado regime de competência (em que os lucros passam a ser tributados anualmente, mesmo se mantidos pela controlada no exterior).

O relatório apresentado ontem (3) também mantém toda a estrutura de regulamentação prevista para os “trusts”, que são uma ferramenta contratual sofisticada muito usada no exterior para a organização do patrimônio e da sucessão por famílias de alta renda. Pelo dispositivo, eles passam a ser considerados entidades transparentes, com necessidade de declaração pelos titulares.

Os assuntos já vinham sendo tratados no governo deste a elaboração de medida provisória sobre o assunto (MPV 1171/2023), que “caducou” (ou seja, perdeu validade antes mesmo de ser votada no Congresso Nacional) e foi sucedida pelo projeto de lei ora em análise. Todos os ajustes feitos de lá para cá foram mantidos no novo substitutivo.

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O que muda para investimentos no país?

Já do lado dos investimentos no Brasil, o substitutivo apresentado pelo relator Pedro Paulo eliminou a opção de o contribuinte antecipar a regularização do estoque dos rendimentos percebidos em fundos de investimentos fechados a partir do pagamento de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a uma alíquota de 10% em duas etapas.

Agora, investidores não terão mais alternativa: será preciso realizar o acerto com o Leão sobre os rendimentos acumulados no passado.

Pela nova redação, todos os rendimentos de aplicações apurados até 31 de dezembro de 2023 nesta modalidade, antes isentas de tributação até o momento da efetiva percepção dos ganhos pelo contribuinte, estarão sujeitos à tributação periódica já no ano que vem.

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A antecipação também não irá ocorrer mais em 2023, mas sim junto com o primeiro come-cotas que deverá ser pago em maio de 2024, como explica Érico Pilatti, sócio do Cepeda Advogados e especialista em direito tributário.

A partir de 2024, esses rendimentos acumulados até 31 de dezembro de 2023 serão apropriados pro rata tempore e ficarão sujeitos ao IRRF à alíquota de 6%. Na versão original do projeto, a taxa prevista era de 15% para esses estoques. Depois disso, aplicam-se aos fundos exclusivos as mesmas regras dos abertos, dependendo da natureza de cada investimento.

Outra mudança relevante ocorreu no caso dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), após o setor manifestar preocupação com o texto original, que enquadrava a categoria à regra geral de “come-cotas” aplicada a outros tipos de fundos.

Pelo novo texto, os FIDCs se juntam aos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), Fundos de Investimento em Ações (FIAs) e Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETFs) – com exceção daqueles de renda fixa – em um regime específico não sujeito à tributação periódica. Para isso é preciso que os produtos sejam enquadrados como entidade de investimento, ou seja, que sejam geridos por gestor independente e discricionário, conforme explica Cepeda.

A matéria também avança nos critérios de enquadramento desses fundos para a não incidência do “come-cotas”. No caso dos FIDCs, serão considerados os fundos que possuírem uma carteira composta por, no mínimo, 67% por cento de direitos creditórios, considerando definição do Conselho Monetário Nacional (CMN) para esse tipo de produto financeiro, que ainda deve ser apresentada.

“FIDCs não tinham sido excluídos do come-cotas. Agora, preenchidos os requisitos, serão”, observa Ana Carolina Monguilod, sócia do CSMV Advogados.

A questão era vista como um ponto sensível por advogados. “Se esse ponto não for corrigido, deve gerar um desincentivo a investimentos nesses fundos e, por consequência, uma diminuição das fontes de financiamento das empresas brasileiras”, destacou Ricardo Bolan, sócio de Tributário do Lefosse, na época de apresentação da medida.

A razão é que os direitos creditórios que compõem a carteira de ativos de um FIDC são provenientes dos créditos que uma empresa tem a receber, como duplicatas, cheques e outros. Na economia real, um dos setores mais preocupados com essa possibilidade era o varejo, que já enfrenta um momento delicado.

O substitutivo apresentado ontem estabelece, ainda, o prazo de 180 dias, contados da data da primeira integralização de cotas, para os FICDs se enquadrarem à nova regra. Já aqueles fundos já constituídos em 31 de dezembro de 2023 terão prazo até 30 de junho de 2024.

No caso dos FIPs, são considerados aqueles fundos que cumprirem os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM.

Já para os FIAs, serão considerados como aqueles fundos que possuírem uma carteira composta por, no mínimo, 67% de ativos financeiros no país ou no exterior.

Em nível doméstico, são considerados: ações; recibos de subscrição; certificados de depósito de ações; Certificados de Depósito de Valores Mobiliários (Brazilian Depositary Receipts, ou BDRs); cotas de FIAs que sejam considerados entidades de investimentos; cotas negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado no País de fundos de índice de ações; e as representações digitais (tokens) dos ativos anteriormente mencionados. O último item foi incluído pelo relator.

Já no exterior, são considerados: Global Depositary Receipts (GDRs) e American Depositary Receipts (ADRs) referentes a ações de emissão de empresas domiciliadas no Brasil; cotas negociadas em bolsa de valores no exterior de fundos de ações; e cotas dos fundos de investimento em ações no exterior.

O texto também modificou regras de tributação para a hipótese de fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundo de investimento a partir de 1º de janeiro de 2024.

Na regra geral, os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota na data do evento e o custo de aquisição da cota ficarão sujeitos à retenção na fonte do IRRF à alíquota aplicável aos cotistas do fundo.

Mas não haverá incidência do tributo quando o processo envolver, exclusivamente, fundos que estiverem sujeitos ao mesmo de regime de tributação, seja ele pelo “come-cotas” ou regime específico não sujeito à cobrança periódica; quando não implicar mudança na titularidade das cotas; e não implicar disponibilização de ativo pelo fundo aos cotistas.

A versão encaminhada pelo governo previa apenas que a não incidência dependia de outras condicionantes, como o fundo objeto da operação necessariamente não estar sujeito ao “come-cotas” e a alíquota a que os cotistas estejam sujeitos no fundo resultante da operação não seja menor do que a alíquota a que estavam sujeitos na data imediatamente anterior à operação. Tais pontos foram mantidos.

O substitutivo do relator Pedro Paulo também incluiu dispositivo que diz que a fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundo sujeito à tributação periódica não implicará reinício da contagem do prazo de aplicação dos cotistas.

O texto original já previa que, nos casos em que o regulamento do fundo de investimento previr diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos e patrimônio segregado, cada classe seria considerada um fundo de investimento para fins de aplicação das regras de tributação.

Mas o relator incluiu dispositivo para reiterar que a transferência de cotas entre subclasses de uma mesma classe não é hipótese de incidência do imposto de renda, desde que não haja mudança na titularidade das cotas e não haja disponibilização de ativo pelo fundo aos cotistas.

O deputado Pedro Paulo também manteve em seu substitutivo a não incidência de tributação para Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros).

Em ambos os casos, o relator preservou dispositivo que diz que estão isentos de IR os rendimentos distribuídos por essas duas categorias de fundos a pessoas físicas, desde que as cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado e sejam efetivamente negociadas nesses dois ambientes.

O texto original previa que, além disso, os FIIs e Fiagros precisavam ter no mínimo 500 cotistas para gozarem do benefício. No substitutivo apresentado ontem, o relator reduziu a linha de corte para 300 cotistas.

Tramitação

O Palácio do Planalto tem trabalhado para viabilizar a votação da matéria no plenário da Câmara dos Deputados ainda nesta semana, de modo a evitar o risco de atrasos em razão de viagem oficial de 10 dias do presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), para a Índia e a China, marcada para as próximas duas semanas. Mas caso não seja possível, integrantes do governo acreditam na possibilidade de se alcançar um nível de consenso que permita a votação mesmo na ausência do presidente da Casa.

No mundo político, há uma percepção de boa vontade de Lira para a votação da matéria, em um movimento para demonstrar ao Palácio do Planalto cooperação em relação à pauta econômica e destravar nomeações prometidas por Lula na Caixa Econômica Federal e na Funasa (Fundação Nacional de Saúde) — pivôs da mais recente crise entre o governo e o “centrão”.

Uma vez aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei precisa ser votado pelo Senado Federal. Caso a versão aprovada tenha modificações de mérito em relação ao texto recebido, a matéria retorna à casa iniciadora, que tem a palavra final sobre o assunto, antes de ser encaminhada à sanção presidencial.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.