Falta de punição faz com que empresas não busquem evitar fraudes como a da Americanas, diz especialista

Comum nos EUA e Europa, inteligência corporativa começa a crescer no Brasil com interesse de empresas e gestoras

Rodrigo Tolotti

Luís Esnal, CEO da Nexointell (divulgação)
Luís Esnal, CEO da Nexointell (divulgação)

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O caso recente de fraude descoberto na Americanas (AMER3) chamou atenção do mercado não apenas pelas cifras bilionárias, mas pela surpresa, já que nenhuma auditoria ou investidor profissional suspeitou do rombo.

Agora, passado o choque com que o mercado recebeu a notícia e a renúncia de Sergio Rial, o mercado relembra que este está longe de ser o primeiro caso envolvendo práticas questionáveis ou até ilegais em companhias. As fraudes na Petrobras (PETR4) descobertas pela Operação Lava Jato, a crise da JBS (JBSS3) com a Operação Carne Fraca, e mais recentemente os casos de trabalho escravo em vinícolas do Rio Grande do Sul, são apenas alguns exemplos que ganharam os noticiários nos últimos anos.

Na verdade, escândalos desta magnitude são tão comuns que já existe um setor voltado a evitar “surpresas”: a inteligência corporativa. As consultorias que oferecem esse tipo de serviço são especializadas em investigar o que acontece dentro das contratantes.

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Comuns no exterior, onde a regulação é mais apertada para empresas que “pisam fora da linha”, é considerado um dever das companhias saber o que acontece dentro de seu negócio ou até mesmo em outras empresas quando vão realizar uma aquisição. Nos Estados Unidos, o Foreign Corrupt Privacy Act (FCPA) criado em 1977 teve um impacto global ao determinar que companhias e cidadãos americanos não poderiam subornar pessoas ou empresas no exterior para ganhar vantagem competitiva, se enquadrando no crime de corrupção caso seja descoberta.

Isso fez com que instituições no mundo todo se preocupassem em manterem seus negócios corretos, já que para ter qualquer relação com empresas dos EUA elas seriam investigadas antes. “Isso fez com que a inteligência corporativa no mundo explodisse, porque antes ninguém estava nem aí, nenhuma empresa, no Brasil ou exterior, se importava de ficar verificando se a empresa que eles compraram corrompia políticos ou se estava poluindo”, explica Luís Esnal, CEO da Nexointell, empresa de inteligência corporativa com mais de 3.400 investigações em 20 anos de atuação na América Latina.

“Depois dessa regulamentação, as empresas estrangeiras passaram a fazer isso no mundo, então, se eles compravam uma companhia no Brasil, ou vinha um fundo americano investir em uma empresa no Brasil, eles precisam fazer esse trabalho da inteligência corporativa porque não podem comprar nada errado”, continua.

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Agora, o setor, já bastante desenvolvido nos EUA e Europa, começa a ganhar força no Brasil — embora ainda seja muito comum que executivos de companhias sob investigação aleguem que não tinham consciência sobre crimes praticados pela companhia.

“Hoje uma empresa no Brasil é descoberta com um problema e fala: ‘ah, eu não sabia’. Lá fora [EUA e Europa] isso não funciona. Você tinha que verificar aquilo, quem você estava contratando, você verificou o seu fornecedor, você verificou o produto, você verificou que não estava desmatando, por exemplo”, afirma Esnal.

E se algumas pessoas questionam se esse não seria o papel do órgão regulador, para Esnal, não tem como uma Comissão de Valores Mobiliários (CVM) conseguir fiscalizar esse tipo de situação. Por outro lado, segundo ele, a impunidade entre os envolvidos, se não encoraja, ao menos tranquiliza quem pratica fraudes e outros tipos de ilegalidades.

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“A CVM não vai conseguir fiscalizar tudo”, afirma. “Justamente por isso, as punições precisariam ser exemplares, para que as próprias empresas busquem formas de evitar isso”, diz ele, citando que é exatamente o que acontece no EUA, onde praticamente se criou um mercado autorregulado pelas próprias empresas.

Por lá, não só é comum que empresas façam essa investigação, mas gestoras de fundos também utilizam esse tipo de serviço, para avaliar se entram ou não em determinada companhia. Nesse tipo de análise, são utilizados métodos que avaliam de dados públicos, até entrevistas com fontes de dentro da empresa, ex-funcionários, fornecedores e concorrentes.

“Os fundos de investimento são alguns dos nosso principais clientes. Em geral, todos os trabalhos de M&A (Fusões e Aquisições, em inglês) atualmente estão demandando trabalho de inteligência corporativa para entender a empresa comprada, desde o ponto de vista reputacional até operacional. Os fundos de Private Equity, em particular, mais ainda, porque você tem uma questão de que, como as empresas são fechadas, você não tem muita informação auditada, você não tem grandes controles”, diz Esnal.

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Um setor em crescimento

Se nos EUA a inteligência corporativa ganhou força após a quebra da Enron, em 2001, no Brasil foi a Operação Lava Jato, a partir de 2014, que deu um primeiro gás para o setor. Mesmo assim, passando por casos com o da Carne Fraca e mesmo o mais recente, da Americanas, empresas e gestoras nacionais ainda não são adeptas desse tipo de serviço.

“A inteligência corporativa está começando a ganhar um espaço no orçamento das empresas agora”, diz Esnal, que conta ainda que as companhias, apesar de gastarem milhões de reais com auditorias e advogados, não criaram o hábito de contratar uma empresa de inteligência corporativa, mesmo que esse custo seja bem mais baixo que essas outras avaliações.

No caso da Americanas, centenas de fundos tinham ações da empresa no portfólio, e segundo o executivo, se uma delas tivesse feito um simples trabalho de investigação, avaliado como era a relação com fornecedores e bancos, por exemplo, já seria possível ter descoberto, antes, que havia algo errado. “Se eles [fundos] tivessem feito, teriam percebido que tinha alguma coisa estranha”, afirma.

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Segundo Esnal, as investigações podem servir tanto para aqueles que buscam evitar um negócio ruim quanto para quem quer saber “onde está entrando”. Em uma situação, por exemplo, ele lembra que foi contratado por um fundo de venture capital que queria investir em uma empresa do setor de energia renovável cujo CEO era considerado brilhante e que teria muito potencial. A investigação, porém, indicou que o executivo  maquiava os números da empresa e omitiu um empréstimo. Mesmo com as informações em mãos, o fundo fez o investimento.

“Eles não querem saber [das fraudes], por quê? Porque até lá, até a bomba explodir, todo mundo já fez o negócio, o fundo de investimento já comprou, um monte de gente já entrou com dinheiro no fundo, eles já compraram as ações, já fizeram o IPO, todo mundo já ganhou dinheiro”, avalia o executivo. “Isso eu já vi muito, eu perdi muitos clientes, justamente porque eles não querem saber, não querem que você exponha a verdade”, diz.

O caso da Americanas ligou um grande sinal de alerta para empresas e gestoras olharem com mais cuidado para questões obscuras envolvendo os negócios, mas ainda falta uma regulação e punições mais rígidas para que inteligência corporativa realmente se torne algo comum no mercado. “As empresas precisam começar a fazer uma autofiscalização para evitar caírem nessas surpresas, de terem problemas”, conclui Esnal.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.