Com receio de aprofundar dívidas, PMEs tomaram menos crédito em 2020

Especialistas entendem que dificuldade de acesso a crédito também pode ter impedido que PMEs buscassem empréstimos

Giovanna Sutto

Ilustração (Getty Images)
Ilustração (Getty Images)

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SÃO PAULO – O Indicador de Demanda das Empresas por Crédito do Serasa Experian apresentou uma queda de 4,1% em 2020, no comparativo com o ano de 2019. A categoria de micro e pequenos negócios e a de médias empresas puxaram a baixa do índice, fechando o acumulado anual com -4,3% e -1,7%, respectivamente. As grandes empresas tiveram uma alta de 2,1%.

O estudo do Serasa leva em consideração todas as linhas de crédito disponíveis para pessoas jurídicas, como linhas de capital de giro e empréstimos com garantias.

De acordo com Luiz Rabi, economista do Serasa Experian, a tomada de crédito por parte das empresas tem geralmente dois objetivos: expandir ou renegociar dívidas.

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“Essa queda geral do índice é decorrente do componente de crédito destinado à expansão dos negócios. Com a crise, poucas empresas conseguiram crescer. O foco da maioria era sobreviver. Então, a busca por crédito realmente caiu. Mesmo as de grande porte tiveram uma desaceleração de demanda considerável”, explica ao InfoMoney.

Veja como ficou a demanda por crédito por parte das empresas em 2019 e em 2020:

Micro e pequenas  Médias  Grandes 
2019 9,3% 19,8% 19,2%
2020 -4,3% -1,7% 2,1%

Situação das PMEs na pandemia

As micro, pequenas e médias empresas (PMEs), que são o principal motor de geração de empregos do país e movimentam grande parte do PIB brasileiro, tiveram quedas mais acentuadas. Rabi diz que enfrentar a crise iniciada em 2020 com menor fôlego no fluxo de caixa não têm sido fácil para as PMEs.

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“Mesmo com as novas linhas de crédito disponibilizadas pelo governo e com a reabertura do comércio, as micro e pequenas empresas precisaram se reinventar e resistir para se manter na ativa. A retração da demanda por crédito, vista ao longo do ano, é o reflexo da insegurança dos empreendedores em adquirir novas dívidas”.

Embora o estudo do Serasa não conte com recortes de modalidades de crédito, Rabi se apoia nos dados do Banco Central, que divulga os valores de concessão de crédito por categoria. Ele explica que é possível ver que as modalidades de crédito que tiveram um aumento na concessão foram as que tipicamente são usadas para renegociação de dívidas.

Por exemplo, a linha de capital de giro apresentou aumento praticamente constante durante os meses de 2020. Em janeiro, foram concedidos R$ 331 bilhões. Em abril, o número alcançou o patamar de R$ 358 bilhões. A linha fechou o ano com concessão de R$ 454 bilhões em dezembro – alta de 46% na comparação com o mesmo mês de 2019.

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“O capital de giro está para as empresas como o empréstimo pessoal para as pessoas físicas. Geralmente esse tipo de empréstimo atende às obrigações diárias da empresa, como pagamento de salário, aluguel, entre outros. No contexto da crise, a alta mostra que as empresas que tomaram crédito precisavam de ajuda. Mesmo assim, houve uma queda nesse grupo porque ninguém sabia como seria o próximo dia ou mês”, afirma Rabi.

Segundo um estudo da Ernst & Young (EY), as PMEs movimentam mais de 27% do PIB no Brasil. “Esse segmento enfrenta desafios específicos e que se agravaram durante a pandemia, como a dificuldade de acesso ao crédito e o baixo nível de profissionalização e digitalização das empresas”, diz o estudo. Das 300 PMEs entrevistas na pesquisa, 74% não estavam procurando novas linhas de crédito para evitar um endividamento adicional.

Apesar de não buscarem crédito, as empresas não ficaram paradas. “Elas tomaram medidas financeiras, como redução de despesas, renegociação com os fornecedores, ajuste de estoque, entre outras medidas que não necessariamente envolvem crédito”, explicou Rui Cabral, sócio e líder da área de risco e finanças para o setor financeiro da EY.

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Arnaldo Blasques, sócio da AJBlasques Consultoria, concorda que as PMEs tiveram muita dificuldade para conseguir tomar empréstimos em 2020, principalmente no início da pandemia. “Os grandes bancos não quiseram tomar o risco. Naquela situação de total incerteza, tais empresas ficaram sem esse suporte mais tradicional”, explica. Como resultado disso, fintechs de crédito, por exemplo, tiveram resultados muito positivos. As startups de serviços financeiros começaram a abocanhar parte do mercado que os grandes bancos não queriam aproveitar.

“Empresas como Creditas e Geru começaram a colocar dinheiro no mercado, emprestando com garantias reais. Muitos pequenos empreendedores adotaram esses tipos de empréstimos para sobreviver”, acrescenta. A Creditas alcançou US$ 1,75 bilhão de valor de mercado e se tornou mais um unicórnio brasileira, ou startup avaliada em ao menos US$ 1 bilhão, em dezembro de 2020, depois de um rodada de investimentos que totalizaram US$ 255 milhões.

De fato, o estudo da EY mostra que esse movimento aconteceu: das 26% empresas que afirmaram que estavam buscando crédito, 55% delas informaram que foram atrás de opções alternativas aos bancos tradicionais, conforme explicou Rafael Schur, sócio e líder de segmento de mercado financeiro da EY no Brasil.

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Vale lembrar que o Governo Federal criou o Programa de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que pode ser considerado bem-sucedido no quesito auxílio às empresas. Foram disponibilizados R$ 37 bilhões em crédito, com grandes bancos aderindo ao programa. A linha foi usada para cerca de 520 mil micro e pequenos empreendedores. Nesta terça-feira (9), o Ministério da Economia informou que os bancos poderão estender o prazo de carência de pagamento do programa de oito para 11 meses.

Porém, apenas o Pronampe não vem sendo suficiente. O InfoMoney fez uma matéria que mostra a situação de alguns negócios diante da piora da pandemia. Em São Paulo, por exemplo, há uma grande preocupação com o período de Fase Vermelha: o consenso é de que o período de restrições de funcionamento de estabelecimentos não essenciais será o pior para os negócios desde que a pandemia começou. Alguns empreendedores não acreditam que será possível voltar a operar depois desse período fechado.

Setores mais afetados

O estudo do Serasa mostra também um recorte por setores na demanda por crédito. Entre os setores analisados pelo estudo estão a indústria, com queda de 6,2%; o comércio, com baixa de 5,3%; e o de serviços, com uma retração de 2,8%.

Apesar de o setor de comércio e de serviços terem sentido o impacto da pandemia mais intensamente pelo isolamento social e por serem compostos, em sua maioria, por PMEs, Rabi ressalta que as quedas foram menos acentuadas que a vista na indústria porque houve uma retomada na busca por crédito.

Considerando apenas o mês dezembro de 2020 e 2019, quando houve aumento de 4,5% na procura das empresas por crédito e por segmento, serviços apresentou a maior alta, com crescimento de 6%.

“Muitas empresas do setor de serviços estavam fragilizadas pelo cenário instável da economia e pelo período de distanciamento social, e fecharam as portas ou reduziram drasticamente sua receita. Como alternativa, alguns empreendedores tiveram que tomar crédito para conseguir se manter na tímida retomada econômica durante o segundo semestre do ano. Essas empresas buscaram mais empréstimos e alternativas justamente por estarem precisando com mais urgência”.

No comércio houve queda na demanda, ainda que também menos acentuada do que na indústria. “No caso do comércio, não tem como descartar o impacto positivo do auxílio emergencial. As famílias ganharam uma tração com o benefício e consumiram mais produtos – em níveis menores do que pré-pandemia, naturalmente, mas o impacto da crise econômica foi menor na comparação com o setor de serviços. Assim, menos empresas buscaram crédito”, afirma.

Blasques complementa que, no caso de comércio e serviços, é importante lembrar da antecipação de recebíveis do cartão de crédito. Segundo a Abecs, associação que representa as empresas de cartões, o mercado de cartões movimentou R$ 2 trilhões em 2020 – sendo que R$ 1,18 trilhão vieram do cartão de crédito.

“Eu acredito que parte do volume movimentado pelo mercado tenha sido em antecipação pelos lojistas, que viram nessa modalidade uma chance de prolongar a sobrevivência durante a crise. Assim, não necessariamente foram buscados empréstimos com grandes bancos, como o capital de giro. Os lojistas negociaram com as adquirentes”, afirma.

No caso da indústria, a queda mais brusca na demanda por crédito está relacionada ao momento complicado que a indústria automotiva enfrentou em 2020, segundo Rabi. “O setor da indústria reduziu muito o ritmo de crescimento com a crise, mas não parou. Um componente muito significativo que puxou os investimentos para baixo, por consequência, a tomada de crédito foi o setor automotivo”, avalia. Em abril, a produção de veículos chegou a cair 99% na comparação com o mês anterior. As vendas de veículos fecharam 2020 com queda de 26,2% – a maior em cinco anos.

Confira a comparação na demanda por crédito por setor entre 2019 e 2020:

Indústria Comércio Serviços
2019 5,4% 5,8% 14,3%
2020 -6,2% -5,3% -2,8%

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.