Arminio Fraga, Eduardo Mufarej e outros investidores se unem a pesquisadora para mapear o DNA dos brasileiros

Iniciativa da pesquisadora Lygia da Veiga Pereira recebe aporte de R$ 10 milhões para criar o maior banco genético privado do Brasil

Mariana Amaro

Lygia Pereira, da  gent-t (Foto: Germano Lüders / Divulgação)
Lygia Pereira, da gent-t (Foto: Germano Lüders / Divulgação)

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Criar a maior infraestrutura privada de dados sobre saúde do povo brasileiro por meio do sequenciamento do genoma de 200 mil pessoa de diversas regiões do país: este é o projeto da pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, que iniciou os estudos de células-tronco no Brasil, é professora titular de Genética Humana da Universidade de São Paulo, e a fundadora e CEO da startup gen-t, com a missão de diversificar os bancos genéticos do mundo. A startup recém-criada anunciou hoje (12) um aporte de R$ 10 milhões para dar início às suas atividades.

“A gênese da gen-t é justamente isso: a consciência de que o mundo está desenvolvendo a medicina de precisão para pessoas com ancestralidade europeia. A falta de diversidade no mapeamento genético do mundo é um dos maiores entraves para os avanços e uso de tecnologia no Brasil”, afirma Pereira.

De acordo com a pesquisadora, cerca de 80% do que se conhece sobre genoma humano vêm da população europeia e americana. Por isso, boa parte dos algoritmos de predição de doenças foram desenvolvidos em cima desses dados.

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Ela começou a notar a demanda por diversidade nesses dados entre 2017 e 2018 por uma dificuldade de interpretação de resultados de testes para doenças genéticas. “Volta e meia aparecia uma informação que poderia indicar algum caminho promissor mas os estudos paravam porque não era possível saber se aquele componente genético poderia ser o causador de alguma doença ou apenas não estava muito presente no genoma de pessoas brancas”, explica Pereira.

Diante disso, em 2019, Pereira coordenou o lançamento do DNA do Brasil, um projeto para avaliar o que a população brasileira tinha de diferente, considerando a mistura entre povos nativos, de origem africana e europeia. “A população brasileira é um mosaico de genomas e ancestralidades, cada um com diferentes proporções”, comenta.

Pereira passou então a estudar como os projetos do tipo são feitos pelo mundo e viu que havia iniciativas para gerar plataformas que complementam os projetos públicos, ainda muito restritos ao ambiente acadêmico. Sempre ligada às universidades, a pesquisadora resolveu testar as águas na iniciativa privada e criou o modelo de negócios da gen-t.

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Quando ainda não passava de um rascunho, a gen-t atraiu o interesse de grandes nomes do mundo dos investimentos. Um deles foi Eduardo Mufarej, do GK Ventures, que Pereira procurou quando não tinha nada além de uma apresentação em ‘ppt’. “Apresentei a ideia para ele [Mufarej] e ele não entendeu nada, mas sentiu que podia ter algo interessante e convidou o Daniel Gold, da QVT Investments, que tinha mais experiência com biotecnologia, para avaliar”, conta Pereira. A recepção foi boa mas a empresa ainda não passava de uma ideia, sem um modelo de negócio.

“Os dois investidores contrataram um consultor da Bain para trabalhar comigo e os cientistas e transformar o ‘ppt’ em um modelo de negócio”, diz Pereira. Ao final de dois meses, o projeto parava em pé e chamou a atenção de outro grande investidor, Arminio Fraga, fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central.

Investimento

Além de Mufarej, Gold e Fraga, a farmatech norte-americana Roivant Sciences também faz parte do grupo de investidores que aportou, em conjunto, pouco mais de R$ 10 milhões no negócio.

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O valor será usado para a construção de time de bioinformatas, capazes de analisar os dados de genoma, outros pesquisadores e desenvolvedores de sistemas de tecnologia para a coleta de dados de saúde dos participantes, e deve ser suficiente para sustentar as operações da companhia até o segundo semestre de 2023.

Para viabilizar o projeto, a empresa fará parceria com clínicas populares, como o Dr. Consulta, que convidarão seus pacientes para participar do projeto. “Tudo seguindo passos regulatórios, com proteção de dados e consentimento dos participantes”, explica. A meta é ter uma base de dados de saúde e acompanhamento de 200 mil pessoas em cinco anos. No primeiro ano, serão 15 mil pessoas recrutadas.

Até o fim do ano, a companhia pretende ter um acordo com mais dois sistemas de saúde e aumentar o recrutamento de participantes de todas as regiões do Brasil.

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Modelo de negócio

De acordo com a fundadora da startup, estudar genomas de ancestralidade não-europeia aumenta a oportunidades de fazer achados científicos simplesmente por ser ‘terra não explorada’.

“Teremos um biobanco que permitirá um uso contínuo de armazenamento de amostras. Trará a possibilidade de desenvolver parâmetros, oxigenar a saúde pública, impulsionar a predição de doenças e as pesquisas por novos medicamentos, e ajudar pacientes em todo o mundo”, explica Mufarej.

A expectativa, diz Pereira, é de fornecer inteligência para a indústria farmacêutica observando sempre a confidencialidade. “A vantagem de chegar depois nesse segmento de biotecnologia é que já há muitos mecanismos de segurança e legislação para proteger os participantes e as empresas”, afirma.

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.