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A Caixa Econômica Federal pediu mais tempo ao Ministério da Cidadania para depositar o dinheiro dos empréstimos consignados do AuxÃlio Brasil na conta dos clientes, mas não recebeu o aval até o momento.
A portaria MC 816, que regulamenta a linha de crédito, determina que o valor contratado seja depositado na conta do beneficiário em até 2 dias úteis. Mas a Caixa não tem conseguido cumpri-lo, alegando “excesso de demanda”.
O banco inclusive interrompeu a concessão de novos empréstimos no fim de semana, das 18h de sexta-feira (21) à s 7h de segunda-feira (24), para uma “manutenção programada nos ambientes tecnológicos” que ocorreu em meio a uma avalanche de reclamações de atraso na liberação do dinheiro.
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A Caixa diz que um “excesso de solicitações” ocasionou “lentidão nos processamentos” e que a liberação do crédito está ocorrendo em no máximo 5 dias. Mas o jornal O Estado de S.Paulo revelou que clientes do banco estão sendo avisados de que o prazo para o empréstimo cair na conta pode demorar até 15 dias.
Os beneficiários que contrataram a linha de crédito também dizem terem sido surpreendidos com taxas e seguro que, juntos, podem ultrapassar R$ 200. Há ainda muitos relatos de cancelamento de empréstimos já aprovados (sobretudo de pessoas que o contrataram logo no inÃcio). O consignado, que aparecia como âaprovadoâ ou âem processamentoâ, agora aparece como “cancelado”, sem explicações.
TCU pede informações
Em meio ao excesso de demanda, o Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu à Corte que suspenda a concessão de novos empréstimos pela Caixa até que os ministros tomem uma decisão definitiva sobre o assunto. O sub-procurador-geral Lucas Rocha Furtado solicitou uma medida cautelar contra banco, para âimpedir sua utilização com finalidade meramente eleitoralâ.
O ministro Aroldo Cedraz, relator do processo no TCU, deu 24 horas para a banco se manifestar, âpois o volume de empréstimos já concedidos e a velocidade de sua liberação apontam para elevadÃssimo riscoâ, e sugeriu ao banco que não libere o dinheiro de novos empréstimos até que a Corte analise os documentos e informações enviadas.
A Caixa diz que, com o atraso na liberação do empréstimo aos clientes, na prática está respeitando a sugestão do ministro do TCU. Isso porque ainda depositou o dinheiro dos consginados aprovados a partir de segunda-feira (24) â data da decisão do ministro.
Cedraz também determinou que uma cópia da sua decisão seja encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que âavalie em sua esfera própria de atribuições a pertinência da adoção de medidas cautelares inerentes ao casoâ, pois âeventuais infrações à legislação eleitoral ou à higidez do processo eleitoralâ não são de responsabilidade do TCU, mas da Justiça Eleitoral (veja mais abaixo).
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206 milhões de acessos no app
A Caixa não informa quanto já liberou em empréstimos nem quantos beneficiários já tentaram contratar a linha de crédito, mas diz que a demanda é ârecordeâ e que já teve mais de 206 milhões de acessos no aplicativo Caixa Tem, em apenas 10 dias, para a solicitação de empréstimos.
âA tÃtulo de exemplo, entre 11 e 20 de setembro, o banco teve cerca de 25 milhões de acessos ao aplicativo Caixa Tem para solicitação de empréstimos. Já entre 11 e 20 de outubro, perÃodo em que a Caixa está operando o empréstimo consignado do AuxÃlio Brasil, esse número de acessos no aplicativo saltou para mais de 206 milhõesâ, afirmou o banco em nota. âOu seja, em volume numérico é como se quase toda a população do Brasil tivesse interagido com o banco em apenas 10 diasâ.
Essa procura pelo empréstimo não inclui os pedidos pelos canais presenciais do banco. São mais de 26 mil em todo o paÃs, pois além do aplicativo Caixa Tem é possÃvel contrair o consignado em mais de 4 mil agências bancárias, 9 mil correspondentes Caixa Aqui e 13 mil lotéricas.
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‘Assombroso montante’
O último número divulgado pela Caixa é a liberação de R$ 1,8 bilhão em empréstimos, para cerca de 700 mil beneficiários, em apenas 4 dias. O MP afirma em seu pedido para suspender a linha de crédito que o âassombroso montanteâ já liberado âimpõe dúvidas sobre as finalidades perseguidasâ.
âHá a possibilidade de a empresa pública haver incorrido em flagrante desvio de finalidade pública, utilizando-se indevidamente de seus recursos e de sua estrutura para interferir politicamente nas eleições presidenciais, situação a demandar notoriamente a atuação do TCUâ, afirma o sub-procurador-geral no documento.
Furtado afirma ainda que as suspeitas, se confirmadas, configurariam âocorrência de extrema gravidadeâ â inclusive com implicações criminais comuns e de crime de responsabilidade, alheias à s competências do TCU, e também implicações administrativasâ.
Bolsonaro x Lula
Ele também citou o segundo turno das eleições e a posição de desvantagem do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), ante o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas pesquisas de intenção de voto.
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Para Furtado, âtudo indicaâ que se trata de uma medida para atender interesses polÃticos-eleitorais em detrimento da população. âCom efeito, não é desarrazoado supor (â¦) que o verdadeiro propósito dessas ações, ou pelo menos da forma como elas estão sendo conduzidas, seja o de beneficiar eleitoralmente o atual Presidente da República e candidato à reeleiçãoâ.
O sub-procurador-geral cita também na representação a agilidade âinesperadaâ nas concessões de crédito, que âprovavelmenteâ ocorrem de âforma açodadaâ, além de destacar que a ação visa majoritariamente os mais pobres e as mulheres, grupos nos quais Bolsonaro tem desvantagem em relação a Lula.
Caixa, AuxÃlio Brasil e eleição
Desde o inÃcio do segundo turno, a Caixa tem anunciado diversas medidas e programas focados nos mais pobres e nas mulheres â públicos em que o presidente tem maior rejeição. A Caixa é 100% controlada pelo governo federal e o único grande banco a oferecer o consignado do AuxÃlio Brasil.
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Outros 11 bancos e instituições financeiras também foram autorizados pelo governo federal a operar o consignado do AuxÃlio Brasil, entre eles o banco Safra e a Crefisa, mas apenas Caixa, Pincred e meutudo/QI estão oferecendo o produto no momento.
Todos os grandes bancos que têm capital aberto â Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC4), Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander Brasil (SANB11) â têm mostrado receio com o produto (considerado arriscado dado o perfil do público-alvo e a situação de fragilidade social de muitos beneficiários.
Entre os anúncios feitos pela Caixa nos últimos dias estão:
- Dia 7: lançou sua campanha anual de renegociação de dÃvidas, com desconto de até 90%. A expectativa é regularizar R$ 1 bilhão em contratos e limpar o nome de 4 milhões de pessoas. O lançamento da campanha foi antecipado por Bolsonaro em um evento de campanha;
- Dia 11: lançou seu consignado do AuxÃlio Brasil e liberou R$ 1,8 bilhão para cerca de 700 mil pessoas em apenas 4 dias;
- Dia 17: lançou um programa para apoiar a formalização de mulheres empreendedoras, que prevê liberar R$ 1 bilhão em crédito até 19 de novembro;
O banco também antecipou o pagamento do AuxÃlio Brasil e do vale-gás em outubro, para o calendário ser concluÃdo no dia 25, cinco dias antes do segundo turno â originalmente, o repasse terminaria no dia 31, no dia seguinte ao fim das eleições. Também foram antecipados os pagamentos do auxÃlio caminhoneiro e taxista neste mês.
Empréstimo do AuxÃlio Brasil
O consignado do AuxÃlio Brasil é uma das medidas do pacote de benefÃcios sociais do governo Bolsonaro para tentar alavancar as intenções de voto do presidente entre os mais pobres e as mulheres. A medida é vista como eleitoreira e criticada por especialistas da área social por ser um estÃmulo ao endividamento de pessoas que já vivem em condições de alta vulnerabilidade e insegurança alimentar.
Nesta modalidade de crédito, os beneficiários do programa social podem comprometer até 40% do valor permanente do AuxÃlio Brasil (que é de R$ 400, pois os atuais R$ 600 só estão garantidos pelo governo federal até dezembro), para contrair um empréstimo.
Os juros são de até 3,5% ao mês (51,1% ao ano), e as parcelas são descontadas diretamente na folha de pagamento do benefÃcio por até 2 anos. Na Caixa, o consignado tem juros de 3,45% ao mês (50,23% ao ano), a parcela mÃnima para pagar o empréstimo é de R$ 15 por mês e a máxima, de R$ 160.
O pagamento do empréstimo é descontado todos os meses do valor do benefÃcio, diretamente na folha de pagamento, durante o prazo contratado (o desconto é feito antes de o AuxÃlio Brasil ser depositado). Caso o beneficiário deixe de receber o auxÃlio, independentemente do motivo, ele é obrigado a continuar pagando as parcelas por conta própria, até o final do contrato, pois o empréstimo não será cancelado.
O que é proibido
Os bancos e as instituições financeiras que oferecem o produto não podem cobrar nenhuma taxa além dos juros. Não é permitida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) nem taxas administrativas, por exemplo, e as empresas são obrigadas a informar o Custo Efetivo Total (CET) do empréstimo no momento da contratação.
As empresas não podem oferecer ativamente o consignado para beneficiários do AuxÃlio Brasil, pois a portaria que regulamentou a linha de crédito proÃbe qualquer atividade de marketing ativo, oferta comercial, proposta e publicidade direcionada a beneficiário especÃfico ou qualquer tipo de atividade para convencê-lo a assinar os contratos de empréstimo consignado.
Elas também não podem dar prazo de carência para o beneficiário começar a pagar as parcelas, que começarão a ser descontadas do AuxÃlio Brasil logo após a aprovação do crédito e da liberação do dinheiro.
(Com Estadão Conteúdo)
