Para encontrar ouro, garimpeiros e mineradoras escavam terrenos e rios em busca do metal precioso. Quanto mais pedregoso ou profundo o local de extração, maior a necessidade de equipamentos, como sondas, escavadeiras e dragas. A mineração de criptomoedas é semelhante.
Para “extrair” Bitcoin (BTC), grupos de pessoas e empresas mergulham na rede da moeda digital à caça de algumas unidades. Quanto mais complexa e competitiva a busca, mais computadores potentes eles precisam.
Neste guia, o InfoMoney explica como funciona a mineração e o que é necessário para começar nessa atividade lucrativa e complexa. Além disso, mostra também qual a relação entre a “extração” de ativos digitais e o meio ambiente.
O que é mineração de criptomoedas?
A mineração de criptomoedas é o nome dado ao processo de validação e inclusão de novas transações na blockchain, enorme banco de dados público que registra o histórico de movimentações dos usuários. Como resultado, novas moedas digitais são criadas.
Em outras palavras, a mineração é a responsável por colocar mais criptomoedas em circulação, assim como faz um banco central ao “imprimir” dinheiro. A diferença é que, no caso de moedas digitais como o Bitcoin, não há uma autoridade gerenciando o processo – tudo é regido por algoritmos.
O algoritmo do Bitcoin, por exemplo, é chamado de Proof of Work (Prova de Trabalho, em português). Esse protocolo estabelece os passos para o funcionamento do sistema, como o que fazer quando uma transação é realizada, como estruturá-la em determinado formato e como deve ser a validação e a organização dela.
O BTC, juntamente com todo o processo de mineração por trás do ativo, “ganhou vida” em 31 de outubro de 2008. Naquele dia, uma pessoa – ou um grupo – escondida sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto lançou o white paper (manual) do projeto. Desde então, milhares de criptomoedas foram criadas, e boa parte delas é “fabricada” da mesma forma que o BTC.
Como funciona a mineração de criptomoedas?
Para compreender como funciona a mineração de criptomoedas, é preciso entender como ocorrem as transações em uma blockchain como a do Bitcoin. Veja o exemplo abaixo:
Quando o usuário envia uma criptomoeda ou partes dela para outra pessoa, essa transferência fica registrada na blockchain dentro de um bloco semelhante a um cofre. Esse bloco, assim que fica cheio de transações de vários usuários, precisa ser “selado” com um identificador, que funciona como um cadeado. Na ciência da computação, isso é chamado de hash.
Quem coloca a hash no bloco (ou o cadeado no cofre) são os mineradores – nome das pessoas e empresas que usam seus computadores para ajudar a manter todo o sistema. Em troca, eles recebem recompensas bem “gordas” em criptomoeda. Spoiler: os ganhos estão na casa dos milhões de reais a cada 10 minutos.
Para encontrar a hash correta de um bloco, no entanto, os mineradores precisam resolver complexos problemas matemáticos. Isso não seria um bicho de sete cabeças, visto que tudo é feito por meio de hardwares e softwares. A grande questão é que, com a popularização do BTC, vários mineradores tentam encontrar a solução ao mesmo tempo, deixando o processo super competitivo. Portanto, quanto mais pessoas tentam minerar, mais poder computacional é necessário para se encontrar a solução.
Depois que um minerador finaliza o cálculo e acha o resultado, ele apresenta para toda a rede. Se os outros membros disserem “ok, está correto”, o novo bloco é adicionado à cadeia. Depois disso, começa uma nova competição pela verificação do bloco seguinte, e assim por diante. É daí que vem o nome blockchain, ou corrente de blocos, em português.
Quanto ganha um minerador de Bitcoin?
Conforme estabelecido pelo protocolo do BTC, como pagamento pelo serviço os mineradores ganham criptomoedas como recompensa. Hoje, o valor para cada bloco minerado é de 6,25 BTC, o que dá cerca de R$ 2 milhões, segundo cotação da criptomoeda do dia 23 de novembro de 2021.
Cada bloco é minerado, em média, a cada 10 minutos. Em uma hora, 37,5 novas unidades de Bitcoin são “fabricadas”; em 24 horas, 900 BTC são colocados em circulação. Portanto, o faturamento bruto diário da atividade é de quase R$ 300 milhões.
Importante ressaltar que o “prêmio” pago aos mineradores – e, portanto, a oferta de moeda ao mercado – é reduzido pela metade a cada 210 mil blocos minerados, em um evento chamado halving (reduzir pela metade, na tradução para o português). Esse corte, que dá o caráter deflacionário para o ativo digital, ocorre, em média, a cada quatro anos.
No total, já aconteceram três halvings. No primeiro, em 2012, a recompensa foi reduzida de 50 BTC para 25 BTC. No segundo, em 2016, caiu para 12,5 BTC. No terceiro, que ocorreu em 2020, caiu para os atuais 6,25 BTC. O próximo deve acontecer em 2024.
Quando o criador do BTC estipulou essa regra, o objetivo dele – ou deles – era limitar o fornecimento da criptomoeda, em oposição ao que ocorre com as moedas fiduciárias, como dólar e real. No total, apenas 21 milhões de unidades de Bitcoin serão mineradas, o que deve ocorrer em 2140.
Como minerar Bitcoin?
No início do Bitcoin, bastava conectar um computador (com uma placa de vídeo razoável) à rede da criptomoeda e deixá-lo ligado resolvendo os cálculos matemáticos exigidos na mineração. Hoje, o cenário é outro e, para “fabricar” BTC, é preciso dispor de data centers lotados de equipamentos específicos para a função.
A forma de minerar BTC mudou porque mais mineradores se juntaram à rede. Com isso, os cálculos ficaram mais difíceis e a exigência de poder computacional necessário para resolvê-los aumentou drasticamente. Atualmente, é preciso ter hardwares específicos chamados de circuitos integrados de aplicação específica (ASIC).
Por causa da complexidade, o mais comum hoje em dia é que fazendas de mineração com milhares de equipamentos se dediquem à tarefa. E por essa atividade demandar alto investimento, esses locais costumam se organizar em pools (conjuntos) de mineradores que trabalham juntos para competir pela validação das transações.
Como minerar outras criptomoedas?
Outras criptomoedas, como o Ethereum (ETH), Litecoin (LTC) e Dogecoin (DOGE) também têm um processo de mineração parecido com o do Bitcoin. Assim como o BTC, elas utilizam o protocolo de Prova de Trabalho (Proof of Work, ou PoW), que gasta uma energia tremenda.
No entanto, há outros algoritmos de mineração no mercado, e o próprio Ethereum se prepara para mudar o seu. A segunda maior criptomoeda do mundo planeja pular de PoW para o protocolo de Prova de Participação (Proof of Stake, ou PoS). A mudança, que já foi adiada duas vezes, deve ocorrer em junho de 2022.
A regra geral do PoS é que qualquer pessoa com 32 ETH (cerca de R$ 755 mil na cotação de 24 de novembro de 2021) depositados em um smart contract pode ajudar a validar transações na blockchain. Em troca, recebe recompensas. O processo também é conhecido como staking.
Smart contracts (contratos inteligentes, na tradução para o português) são programas guardados em rede descentralizada que se executam conforme regras pré-estabelecidas, sem o envolvimento de um intermediário para controlar.
Na prática, essa mudança de protocolo do Ether eliminará a necessidade de alto poder computacional para validar transações em sua blockchain. Como consequência, o gasto de energia será reduzido.
O que é necessário para a mineração de criptomoedas?
Para minerar criptomoeda, seja em casa ou qualquer outro local, os passos básicos são os seguintes:
Faça uma carteira virtual
Primeiro, é preciso ter uma carteira de criptomoedas para armazenar os ativos digitais. Elas são divididas em dois grandes grupos – online e offline.
As carteiras online, também chamadas de hot wallets (carteiras quentes), são aquelas conectadas à Internet. Há opções tanto para dispositivos móveis quanto para desktop. Duas das mais conhecidas são a Coinomi e a Exodus.
As carteiras offline, também conhecidas como cold wallets (carteiras frias), estão fora da internet. As hardware wallet, com estrutura física semelhante a pen drives, fazem parte desse grupo. Duas marcas conhecidas são Trezor e Ledger.
Adquira um hardware de mineração
O segundo ponto é adquirir hardware para minerar criptomoeda. No caso do Bitcoin, os equipamentos são chamados de ASIC. Para o processo dar certo, é preciso dispor de vários deles.
Para minerar outras criptomoedas, como a Dogecoin (DOGE), ainda é possível usar computadores com placas de vídeo potentes. A regra geral é: quanto maior o poder computacional, mais chances se têm de resolver os complexos problemas matemáticos.
No caso das criptomoedas PoS, é preciso ter algumas criptomoedas na carteira. Quando o Ethereum migrar para esse novo sistema, por exemplo, sua blockchain vai exigir 32 unidades de ETH.
Conecte-se a um software de mineração
Por último, é necessário se conectar a um software de mineração. Em resumo, eles são programas instalados no computador que controlam todo o processo de validação e fabricação de novas moedas, assim com o envio delas para a wallet. Alguns exemplos são os seguintes: EasyMiner, CGMiner e BFGMiner.
Dá para lucrar minerando criptomoedas?
No caso do Bitcoin, quem lucra com a atividade são os grandes grupos que se dedicam à tarefa. Em casa, o processo não vale a pena, e só vai gerar gasto excessivo com energia elétrica.
No caso das outras criptomoedas, no entanto, ainda é possível lucrar na própria residência, mas leva tempo. Para estimar ganhos, basta acessar sites como o WhatToMine, que fornecem estimativas de rendimentos com base em dados inseridos, como a placa de vídeo utilizada e o preço da energia elétrica da sua região.
Com seis placas de vídeo Nvidia RTX 3060 TI, que podem ser encontradas por um preço médio de R$ 6 mil (investimento de R$ 36 mil, portanto), por exemplo, seria possível ter um faturamento líquido diário de quase R$ 90 com a mineração de ETH, já descontado o gasto com energia.
A informação foi repassada ao InfoMoney por Denny Torres, um dos principais especialistas sobre mineração caseira do Brasil. Ele levou em consideração o preço do quilowatt-hora do município de Macaé, no Rio de Janeiro, onde vive. O retorno do investimento na atividade seria de cerca de 14 meses.
Cotações de criptomoedas: acompanhe as variação de preço das principais moedas digitais.
Qualquer criptomoeda pode ser minerada?
No geral, as criptomoedas que rodam em blockchains públicas precisam ser mineradas.
No caso de moedas digitais que utilizam o algoritmo Prova de Trabalho, elas são “confeccionadas” da mesma maneira que o Bitcoin. Ou seja: os usuários “emprestam” seu poder computacional para a solução de cálculos, gastando energia elétrica. Em troca, recebem criptomoedas como recompensa.
Alguns exemplos de ativos desse grupo são Ethereum (ETH), Litecoin (LTC), Ethereum Classic (ETC), Monero (XMR), Zcash (ZEC), Bitcoin SV (BSV) e Ravecoin (RVN).
O outro modelo de mineração é o Prova de Participação. Em resumo, esse algoritmo exige que os usuários mantenham criptomoedas na rede para validar os blocos. Apesar de ser chamado mineração, o processo também ganhou o nome de staking.
Exemplos de criptomoedas desse grupo são Cardano (ADA), Solana (SOL) e Tezos (XTZ). O ETH também pretende migrar de PoW para PoS.
Importante ressaltar, no entanto, que há quase 15 mil criptomoedas no mercado, segundo dados do CoinMarketCap de novembro de 2021. Apesar de seguirem algumas regras gerais, elas têm especificidades em relação à mineração. O ideal é ler o white paper de cada uma para entender como funcionam.
Qual a relação entre a mineração de criptomoedas e o meio ambiente?
Para manter a rede do Bitcoin funcionando e receber unidades da criptomoeda como recompensa, mineradores precisam de equipamentos sofisticados, que gastam muita energia elétrica. Boa parte das outras criptomoedas também depende de hardwares e consumo de eletricidade.
A Universidade de Cambridge, no Reino Unido, estima que o processo de mineração do BTC consome cerca de 114 terawatt-horas (TWh) por ano. Esse gasto é maior que o registrado por países como Paquistão (103.5 TWh) e Holanda (111 TWh). Além disso, esse montante representa 25% do consumo total de eletricidade no Brasil.
O ponto, no entanto, não é o gasto energético em si da energia, mas sua fonte geradora. Cerca de 60% dos mineradores utilizam combustíveis fosseis, e apenas 40% se valem de fontes renováveis. A pegada de carbono (quantidade de CO2 emitido) de uma única transação de BTC, segundo a plataforma de pesquisa Digiconomist, equivale a “2.045.755 transações VISA ou 153.838 horas assistindo no Youtube”.
Criticados por diversos setores, mineradores começaram a se movimentar para encontrar formas de deixar o BTC menos poluente. Em maio de 2021, quando Elon Musk, CEO da Tesla e SpaceX, criticou o processo de mineração da moeda digital, participantes do setor criaram o Bitcoin Mining Council (BMC), um grupo cujo objetivo é deixar a mineração mais sustentável.
Em outubro de 2021, eles divulgaram que os integrantes do mercado vêm aumentando cada vez mais o uso de energia limpa: “Estima-se que o mix de eletricidade sustentável da indústria de mineração global cresceu para aproximadamente 57,7%, durante o terceiro trimestre de 2021, um aumento de 3% em relação ao segundo trimestre de 2021, tornando-o um dos setores mais sustentáveis globalmente”.
Importante ressaltar que o BTC, apesar de gastar anualmente mais energia que alguns países, utiliza menos da metade da eletricidade consumida pelo sistema bancário tradicional (263.72 TWh) e pela indústria extração de ouro (240.61 TWh). O dado foi publicado em maio de 2021 em um estudo da Galaxy Digital.