Muitas pessoas que têm cotas de fundos ou títulos do Tesouro Direto – como Tesouro IPCA+ ou Tesouro Prefixado, por exemplo – já tomaram sustos quando viram no extrato da corretora que o valor atual estava menor do que a aplicação inicial. Se isso já aconteceu com você, fique tranquilo. Provavelmente não há nada de errado com o seu investimento. As oscilações dos valores se devem exclusivamente a um mecanismo de ajuste de preços chamado marcação a mercado.
Mudanças nas regras de marcação a mercado abrangem vários títulos de renda fixa a partir do início de 2023. Por determinação da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), bancos e corretoras de investimentos passam a ser obrigados a marcar a mercado também os Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRIs e CRAs), as debêntures e os títulos públicos que foram adquiridos via tesouraria de bancos e corretoras de investimentos.
Mas afinal, o que isso significa e de que forma pode afetar os seus investimentos? Se você tem renda fixa na carteira e está achando tudo meio complicado, relaxe. Esse processo é mais simples do que parece, mas, para evitar perder dinheiro, é preciso prestar atenção e entender como funciona. Leia este guia para conferir os detalhes:
O que é marcação a mercado?
Antes de falar sobre as mudanças da renda fixa, é preciso primeiro entender o que é a marcação a mercado.
Basicamente, trata-se de uma atualização de preços que ocorre todos os dias nas cotas de fundos de investimentos, em ativos negociados na Bolsa e em títulos de renda fixa. Por isso, quem investe nesses papéis precisa estar atento a tais oscilações de preços, que podem ocorrer tanto para cima quanto para baixo.
A essa altura, você pode estar se perguntando como os preços podem variar na renda fixa. Afinal, ela não é sempre fixa?
A resposta é “sim” e “não”, e um exemplo ajuda a entender por que é necessário fazer essa atualização de preços. Acompanhe no item a seguir.
Como funciona a marcação a mercado?
Essa sistemática precifica diariamente um investimento de acordo com as atuais condições do mercado, independentemente do valor que foi pago pelo título originalmente.
Para entender como funciona a marcação a mercado, vamos tomar como exemplo um dos investimentos mais populares que possui marcação a mercado: os títulos públicos do Tesouro Direto.
Imagine que, na data de hoje, você tenha investido em um título do Tesouro Prefixado com vencimento em 2029, que paga 13% ao ano. Agora suponha que, daqui a seis meses, a Taxa Selic suba novamente.
Se isso acontecer, daqui a seis meses, o investidor que adquirir um título igual ao seu (Tesouro Prefixado com vencimento em 2029) certamente conseguirá juros superiores aos 13% ao ano que você obteve. Em outras palavras, o seu título estará menos atrativo daqui a seis meses se comparado aos que o mercado lançará no futuro, em um cenário de Selic mais alta. E, portanto, valerá menos se for marcado a mercado.
Esse é um exemplo simples de como a marcação a mercado afeta o valor atual dos títulos de renda fixa.
Mas atenção: o fato de o seu título ter sofrido marcação a mercado para baixo não significa que você perderá o rendimento que contratou no início da aplicação. Você só correrá esse risco se vender o papel antes do vencimento. Caso decida resgatá-lo antes de 2029, precisará recorrer ao mercado secundário de renda fixa, ou seja, a outro investidor que queira comprá-lo de você. E se os juros estiverem mesmo mais altos, há grandes chances de que a sua rentabilidade original seja sacrificada.
Lembrando que o oposto também pode acontecer na marcação a mercado. Ou seja, se o governo reduzir os juros, os títulos que foram prefixados quando a Selic estava alta levam vantagem sobre os novos, pois foi garantida uma taxa maior para o período da aplicação.
Leia também: O que é e como investir no Tesouro Selic
Qual o objetivo da marcação a mercado?
A marcação a mercado se trata de um ajuste diário no valor do ativo. Dessa forma, ela serve para mostrar quanto valeria um título se fosse comprado ou vendido em um determinado momento.
É importante entender que esse ajuste diário de valores não causa nenhum efeito sobre o investimento que não for resgatado antecipadamente. Portanto, se você tem um ativo sujeito a marcação a mercado mas pretende ficar com ele até o vencimento, não tem razão para se preocupar.
Quais fatores influenciam na marcação a mercado?
Existem diversos fatores que podem mexer com a precificação diária dos ativos financeiros. Um dos principais é a expectativa do mercado em relação à taxa básica de juros da economia.
No exemplo anterior, ficou claro que, quando os juros estão em alta, a marcação a mercado reduz os preços dos títulos prefixados. Por outro lado, se a expectativa é de queda da Selic, a atualização diária dos preços será vantajosa para a sua rentabilidade.
Outro fator que influencia na marcação a mercado é a liquidez do ativo, ou seja, a sua facilidade de ser resgatado no momento em que o investidor desejar. Se o ativo for bastante líquido, a possibilidade de perda no resgate é menor, pois, nesse caso, a marcação a mercado será feita rapidamente. No entanto, se for preciso esperar algum tempo depois do resgate para ter o dinheiro na conta, as chances de que haja descompasso entre o valor atual e o valor a ser recebido são maiores.
Há também fatores ligados a expectativas do mercado em relação à economia que podem exercer impactos sobre os preços dos títulos. Por exemplo, acontecimentos no País ou no exterior podem alterar os ânimos dos investidores (para melhor ou para pior), e isso se reflete na marcação a mercado.
Por fim, não podemos esquecer de eventuais momentos de euforia ou pânico no mercado – o chamado “efeito manada” – que mexe com a demanda e, consequentemente, com os preços dos ativos financeiros.
Como funciona a marcação a mercado no Tesouro Direto?
Voltando novamente ao exemplo anterior, vimos como a expectativa de alta ou baixa da Selic influencia nos títulos prefixados. O mesmo vale para a expectativa que o mercado tem em relação ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o indexador do Tesouro IPCA+.
Quando se espera que os preços continuem subindo, a marcação a mercado tende a beneficiar a rentabilidade desse título, pois o seu benchmark é o próprio IPCA.
Independentemente do indexador do Tesouro Direto, o importante a entender é que os títulos valerão mais ou menos de acordo com as perspectivas do mercado para cada um deles.
O que muda para o investidor com a nova marcação a mercado da renda fixa?
A partir de 2 de janeiro, a regra de atualização diária dos preços, que já vale hoje para o Tesouro Direto, passará a valer também para CRIs, CRAs, debêntures e títulos públicos adquiridos via tesouraria. A nova norma não vale para os Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) e para as Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio (LCIs e LCAs).
As novas regras da Anbima alcançarão os investidores pessoas físicas e jurídicas, sendo que, para empresas de médio e grande porte e para investidores qualificados (que possuem recursos acima de R$ 1 milhão investidos), não haverá a obrigatoriedade de marcação a mercado para esses títulos.
De acordo com Luciane Effting, vice-presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, a novidade permitirá que os investidores tenham mais transparência em relação aos valores dos títulos de renda fixa que possuem em carteira.
“A ideia é que, ao perceberem a oscilação no preço desses ativos, eles possam identificar eventuais oportunidades de compra ou venda antes do vencimento do papel e se conscientizem sobre a importância de saber mais sobre o emissor”, informou Luciane no site da entidade.
Em outras palavras, a partir da precificação diária, o investidor conseguirá entender melhor quanto vale hoje um título que ele comprou no passado, segundo a executiva. Para esse controle, os extratos de investimentos deverão trazer a data da última atualização do preço de cada um dos ativos que o investidor possui em carteira.
Benefícios para o mercado secundário
Especialistas acreditam que a melhor visibilidade dos rendimentos poderá favorecer as negociações desses títulos no mercado secundário. Isso porque o investidor conseguirá enxergar de forma mais clara se ele poderá ganhar com o resgate antecipado ou se é mais vantajoso manter o título até o vencimento.
Para entender: quando falamos em mercado secundário, estamos nos referindo às negociações de ativos financeiros que ocorrem diretamente entre os investidores, sem a participação do emissor do título. Por exemplo, se você adquiriu ações em um IPO (oferta pública inicial), essa negociação aconteceu no mercado primário, pois quem lhe vendeu a ação foi a empresa que abriu o capital. Suponha que, tempos depois, você decida vender essas ações por algum motivo. Nesse caso, deverá procurar um investidor interessado nos títulos no mercado secundário.
E por que falar sobre isso? Simplesmente porque um mercado secundário forte é importante para dar liquidez ao sistema financeiro. Atualmente, títulos como CRIs e CRAs possuem liquidez bem inferior a outras modalidades de renda fixa, pois são menos negociados. Porém, espera-se que a nova marcação a mercado impulsione as negociações desses ativos, já que a sua rentabilidade ficará mais clara para o investidor todos os meses. Isso é importante para evitar que, por falta de preços de referência, as pessoas sacrifiquem seus ganhos vendendo seus títulos a valores menos favoráveis.
Diferença entre marcação na curva e marcação a mercado
Atualmente, exceto pelo Tesouro Direto, os investidores acompanham a rentabilidade dos seus títulos de renda fixa pela chamada “marcação na curva”. Essa sistemática não observa o valor de mercado, pois considera somente a taxa contratada no momento da aplicação para atualizar o valor dos papéis.
No entanto, para alguns títulos, a taxa inicial só fará sentido quando o investidor mantiver os recursos aplicados até o final do prazo contratado.
Por outro lado, a marcação a mercado reflete o que os investidores estão dispostos a pagar pelo título, considerando as condições atuais do mercado. Por isso, os preços dos ativos marcados a mercado normalmente modificam todos os dias, mas, no vencimento, ele será sempre o mesmo.
Como será calculada a nova marcação a mercado dos títulos de renda fixa?
Em agosto deste ano, o InfoMoney ouviu algumas corretoras sobre como fariam a atualização dos valores dos investimentos de renda fixa com a nova marcação a mercado. A maioria delas disse que utilizará os dados da Anbima como referência.
Por sua vez, a Anbima realiza uma coleta de preços diariamente e logo cedo, assim que as instituições associadas enviam os valores de negociação dos títulos no mercado. Assim que recebe essas informações, a entidade analisa os valores e procura detectar eventuais discrepâncias entre bancos e corretoras. Feito isso, determina um referencial de preços e o disponibiliza no sistema Anbima Data, que pode ser acessado pelo público em geral.
De acordo com as corretoras, as taxas dos CRIs, CRAs e debêntures são determinadas com base nos dados publicados pela entidade em D-1 (dia útil anterior). Para estabelecer essas taxas, a Anbima verifica aspectos como liquidez, características do emissor (como risco de crédito, por exemplo) e últimos preços de negociação dos títulos. Dessa forma, consegue-se ter uma ideia de quanto o mercado está disposto a pagar pelos ativos financeiros.
Lembrando que, pelas regras da Anbima, bancos e corretoras não são obrigados a utilizar os seus valores de referência. Embora a entidade acredite que isso não deve gerar discrepâncias, é possível que haja algumas diferenças de preços em papéis de menor liquidez, que são justamente os que ela não precifica atualmente. No entanto, segundo informações da própria entidade, esses títulos não costumam ser negociados por pessoas físicas.