Putin alega que acordo de grãos da Ucrânia não cumpria propósito humanitário original

Presidente russo disse que mais de 70% dos grãos foram destinados a países desenvolvidos e garante que Rússia pode garantir abastecimento

Roberto de Lira

o presidente da Rússia, Vladimir Putin
o presidente da Rússia, Vladimir Putin

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou que a Iniciativa do Mar Negro, o acordo que permitiu o escoamento da parte da safra de grãos ucranianos desde julho do ano passado por meio de um corredor marítimo seguro, falhou em seu “propósito humanitário original”. Ele garantiu que seu país é capaz de substituir os produtos tanto de forma comercial como gratuita, uma vez que se espera uma nova safra recorde para este ano.

O acordo fechado com a Organização das Nações Unidas (ONU) expirou na semana passada e não foi renovado pela Rússia, que alegou descumprimento de cláusulas do memorando. Desde então, o regime de Putin passou a realizar ataques com mísseis e drones na regiões portuárias de Odesa e Mykolaiv.

Na semana passada, o governo russo ameaçou tratar toda embarcação em direção aos portos ucranianos como alvos militares. A Ucrânia fez o mesmo anúncio contra barcos russos.

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Em artigo divulgado como documento prévio de uma cúpula Rússia-África marcado para os dias 27 e 28, e São Petersburgo, Putin alegou que seu país exportou 11,5 milhões de toneladas de grãos para a África, e que quase 10 milhões de toneladas foram entregues no primeiro semestre de 2023. Isso das sanções impostas às exportações, “que dificultam severamente o fornecimento de produtos alimentícios russos aos países em desenvolvimento, dificultando a logística de transporte, seguros e pagamentos bancários.”

Putin disse entender a importância do abastecimento ininterrupto de alimentos para o desenvolvimento socioeconômico e a estabilidade política dos estados africanos, em especial no fornecimento de trigo, cevada e milho e outras culturas aos países africanos. “Temos feito isso tanto por contrato quanto gratuitamente como ajuda humanitária, inclusive por meio do Programa Alimentar das Nações Unidas”, escreveu.

Por esse motivo, alegou o presidente russo, o país havia assumido a obrigação de facilitar sua implementação do acordo. No entanto, ele afirmou que a Iniciativa foi “descaradamente usada apenas para o enriquecimento de grandes empresas americanas e europeias que exportavam e revendiam grãos da Ucrânia.”

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Para comprovar suas alegações, ele citou que do total de 32,8 milhões de toneladas de suprimentos exportados da Ucrânia sob o “acordo”, mais de 70% foram direcionados a países de renda alta e média-alta, inclusive na União Europeia, enquanto países como Etiópia, Sudão e Somália, bem como Iêmen e Afeganistão, receberam menos de 3% dos suprimentos, ou seja, menos de um milhão de toneladas.

“Nenhuma das cláusulas do acordo relacionadas à isenção de sanções das exportações russas de grãos e fertilizantes para os mercados mundiais foi cumprida. Além disso, barreiras foram levantadas até mesmo para nossas tentativas de fornecer fertilizantes minerais gratuitos para os países mais pobres necessitados”, acusou.

Segundo ele, das 262 mil toneladas de mercadorias bloqueadas nos portos europeus, apenas dois embarques foram entregues – um de 20 mil toneladas para o Malawi e outro de 34 mil toneladas para o Quênia. “O resto ainda é mantido sem escrúpulos pelos europeus. E estamos falando de uma iniciativa puramente humanitária, que deveria ser isenta de qualquer sanção como tal”, criticou.

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“Considerando todos esses fatos, não há mais utilidade em continuar o negócio de grãos, pois ele falhou em cumprir seu propósito humanitário original”, completou.

ONU preocupada

As preocupações com os efeitos da decisão russa de não manter o acordo continuam. Na última sexta-feira (21), a chefe de assuntos políticos da ONU, Rosemary DiCarlo, disse durante uma reunião do Conselho de Segurança que a atitude era “mais um golpe na segurança alimentar global”.

“A nova onda de ataques aos portos ucranianos corre o risco de ter impactos de longo alcance na segurança alimentar global, em particular nos países em desenvolvimento”, disse ela.

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A mensagem foi repetida pelo coordenador humanitário da ONU, Martin Griffiths, que lembrou que 362 milhões de pessoas em 69 países dependem de ajuda para sobreviver. Segundo ele, a retirada da Rússia da Iniciativa do Mar Negro foi “extremamente decepcionante”, enquanto os ataques aos portos foram considerados alarmantes.

Griffiths relatou que os preços globais dos grãos dispararam na semana, citando informações do Programa Alimentar Mundial (PAM). Na quarta-feira, lembrou, os contratos futuros de trigo e milho subiram quase 9%, alegando que os preços mais altos serão sentidos principalmente pelas famílias em países em desenvolvimento já em risco.