Dolarização é proposta polêmica de Milei, candidato da direita que venceu eleição primária na Argentina

Autodefinido como "anarcocapitalista", Milei é defensor de teorias de Estado mínimo, de reformas estruturais e privatizações

Roberto de Lira

Amilcar Orfali/Getty Images
Amilcar Orfali/Getty Images

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O mercado de câmbio na Argentina  está agitado nesta segunda-feira (14), após o resultado das eleições PASO (sigla para Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), de onde despontou como como vencedor o candidato de ultradireita Javier Milei, com 30,04% das preferências. Com isso, ele saiu como favorito para ficar com uma das vagas em um provável segundo turno das eleições gerais, em novembro. O primeiro turno acontece em outubro.

Nesta tarde, o principal dólar no mercado paralelo da Argentina chegou perto do 700 pesos, se acomodando por volta de 685, uma alta de 13,2% num único dia. O movimento se seguiu à desvalorização oficial de 22% praticada pela manhã pelo Banco Central (BCRA), que elevou o câmbio oficial para US$ 350 após por conta da volatilidade pós eleitoral.

Com uma plataforma que ele mesmo tem classificado como anarcocapitalista, Milei é um defensor sem tréguas do liberalismo econômico, das teorias de Estado mínimo, de reformas estruturais e privatizações. Em seu programa de governo, constam duas propostas polêmicas: eliminar o Banco Central argentino e uma série de medidas visando a dolarização total da economia local, abolindo o peso argentino.

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Milei também é defensor de uma linha muito cara aos conservadores de todo o mundo, propondo entre outras coisas a revisão da legislação local que permite o aborto, a redução extrema da regulação da comercialização de armas e de alterações curriculares em toda rede de educação, incluindo aí o fim das aulas de educação sexual, por exemplo.

Na economia, a proposta mais radical para controlar a inflação do hoje deputado federal é que o país passe a adotar formalmente o dólar com moeda. Na campanha eleitoral, ele declarou várias vezes que “o peso derrete como gelo no deserto do Saara”.  E quem se alinha ao seu pensamento costuma defender que os argentinos não confiam mais em sua moeda, preferindo receber em dólares e fazer suas poupanças com essa divisa.

O jornal Clarín lembrou hoje que, num livro o economista e candidato calculou que levaria dois anos e meio para aplicar o que ele chamou dolarização “purista”.

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Pelo plano, o atual sistema bancário deveria ser mudado para um chamado ‘banco Simons’, ideia de um economista também libertário da Universidade de Chicago, Henry Calvert Simons, que propôs um sistema bancário com 100% de reservas obrigatórias. Numa segunda fase, sustentou Milei na publicação, seria lançada uma competição cambial (entre dólar e peso) e só então, uma vez que os argentinos escolhessem a divisa, seria “eliminado” Banco Central.

O jornal entrevistou o economista Emilio Ocampo, um defensor antigo da dolarização, que admitiu que esse não seria um processo simples e precisaria passar por etapas. Por exemplo, a base monetária argentina seria congelada no primeiro dia, com uma taxa de câmbio de equilíbrio de mercado sendo fixada e por um tempo (que é impossível determinar hoje). Ou seja, as duas moedas coexistiriam durante um período.

“Foi o que aconteceu em El Salvador, por exemplo. No Equador, ao contrário, foi fixada uma data até a qual o sucre poderia circular e então acabou. Todo o processo é feito através do sistema bancário. O Banco Central trabalha com o Federal Reserve”, explicou o economista.

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Em abril, quando Milei colocou suas propostas como candidato, o Centro de Economia Política Argentina (Cepa) listou uma série de fatores que tornariam esse projeto de difícil execução. Um deles é o atual contexto de escassez de dólares do país, o que traria a necessidade de  uma megadesvalorização na substituição dos pesos existentes por dólares, além de todo um lastro dos depósitos bancários em moeda nacional, os famosos “Leliq”.

Essa desvalorização teria um elevado impacto nos salários e rendimentos da população. Segundo os cálculos do Cepa, a perda do poder de compra em dólares ficaria entre 68% e 98%, sendo este último o cenário com menor sustentação em dólares, num processo que o Centro chamou de “liquefação salarial”.

Além disso, o desparecimento do peso argentino, eliminaria uma das ferramentas da administração da política econômica: a política cambial. Normalmente, uma queda dos preços internacionais de alguma commodity pode ser compensada em um país não dolarizado por meio da desvalorização da taxa de câmbio. Sem esse amortecedor cambial, todo o ajuste ocorreria por quantidade e a recessão seria inevitável.

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Esse cenário remete à dinâmica do período da chamada “conversibilidade”, utiliza no início da década de 1990, enquanto o governo de Carlos Menem lutava contra a hiperinflação. Na época, o peso foi atrelado ao dólar na proporção de um para um. Após um relativo sucesso nos primeiros anos. No final da mesma década, a combinação de preços baixos dos grãos exportados e saída de dinheiro dos mercados emergentes mergulhou o país numa profunda recessão.

O país conseguiu um resgate do FMI, enquanto uma sucessão de presidentes tentou, sem sucesso, reativar a economia. Eduardo Duhalde rompeu a relação do peso com o dólar no início de 2002, o que levou a moeda à queda livre.

Essa experiência anterior é apontada como responsável pelo resultados de duas pesquisas recentes , que indicaram cerca de 60% se opõem à dolarização.

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Sobre as experiências de dolarização na América Latina, o Cepa citou o Equador, em janeiro de 2000, após uma situação de emergência social. Foi lembrado que esse processo consolidou uma erosão salarial no país e piorou a distribuição de renda. O mesmo aconteceu com El Salvador, que dolarizou a economia um ano antes.