A faca e o queijo na mão para a ordem e o progresso

O Brasil reúne as condições para se sair bem em um momento de incerteza global, mas demanda que o presidente Lula não abandone os princípios de boa política econômica

Walter Maciel

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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O ano de 2023 começou a pleno vapor, mas fica a sensação de que 2022 não terminou. A sociedade brasileira permanece bastante polarizada e dividida. Os ventos que sopraram em 2013 permanecem e as nuvens no céu estão carregadas.

Por isso, os preços dos ativos de risco permanecem bastante pressionados e, apesar do valuation extremamente atrativo das boas empresas listadas na Bolsa, do real e dos títulos públicos prefixados e pós-fixados, não temos assistido a uma enxurrada de investimentos estrangeiros, nem a um rebalanceamento importante das carteiras de investidores institucionais. Fundos de investimento e pessoas físicas permanecem concentrados na renda fixa e em crédito privado high grade.

O Brasil tem uma oportunidade de ouro de atrair capital externo. Europa e Estados Unidos lutam para trazer a inflação para as metas de seus bancos centrais. Nos EUA, empregos foram criados, mas a taxa de participação da população economicamente ativa não dá sinais de retornar aos níveis pré-pandemia. E na Europa, existe a necessidade de expansão fiscal para criar uma nova matriz energética que torne o continente independente do suprimento de energia da Rússia.

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É verdade que boa parte do surto inflacionário global teve como gatilho os gargalos de oferta e frete criados durante os lockdowns decorrentes da pandemia. E que, com o tempo, estes gargalos vão se dissipando. Mas as particularidades locais devem manter estes dois grandes blocos geográficos pressionados e com taxa de juros superiores àquelas de equilíbrio por um bom tempo.

A guerra da Rússia com a Ucrânia também contribui para colocar mais pressão na inflação global e na geopolítica. A carência de equipamentos médicos – como ventiladores, seringas e máscaras nos EUA – durante a pandemia já eram um aviso, mas o conflito no Leste Europeu ratificou a convicção de que teremos uma reversão parcial da globalização por motivos geopolíticos.

É claro que parte da fabricação de produtos essenciais terá que se deslocar para o hemisfério ocidental. Tudo isso contribuirá para uma inflação estrutural global mais elevada nas próximas décadas do que no período entre 1990 e 2020. No Ocidente, o custo de mão de obra e de produção é mais elevado.

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A boa notícia em 2023 pode vir da China. Se, por um lado, é inequívoco que o regime tornou-se ainda mais autoritário e perigoso na área da política externa (Hong Kong, Taiwan e redondezas), por outro a revolta da população com os lockdowns extensos e intermináveis e algumas manifestações pró-democracia sinalizam que o governo deve voltar a estimular a economia para acalmar os ânimos. Isto deve contribuir para um crescimento mais elevado, estimulando o PIB global e sustentando o preço do petróleo e das commodities agrícolas.

No entanto, a falta de segurança jurídica e a face mais autoritária afugentam investimentos na China. A Rússia e boa parte do Leste Europeu se tornaram “não investíveis”. Nossos pares emergentes também passam por um mau momento. Notadamente, Turquia, África do Sul e nossos vizinhos sul-americanos sofreram uma significativa piora de governança e deterioração de sua política econômica e condições políticas.

Este quadro apontaria para dois grandes beneficiários, dois vencedores, no cenário internacional: o México, que, pela proximidade com os EUA e o baixo custo relativo de produção industrial, receberá novos investimentos para substituir parte da produção da Ásia e do Leste Europeu; e o Brasil.

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Creio que o Brasil se encontra em uma posição única. Tudo conspira a favor. Somos o celeiro de um mundo que se encontra em um cenário de escassez de alimentos de longo prazo.

No meio de uma grave crise energética, somos autossuficientes em petróleo, e a produção do pré-sal deve crescer de forma acelerada nos próximos anos, nos tornando um importante exportador no cenário global. Além disso, temos uma matriz predominantemente hidroelétrica, as chuvas têm contribuído para a bandeira verde ao longo de 2023 e temos enorme potencial para energia limpa e renovável. Temos a maior floresta do mundo e podemos ser referência na proteção ambiental.

Voltemos então ao início. Por que, então, não estamos assistindo a uma enxurrada de investimentos locais e internacionais em nossos ativos de risco? A reposta é, paradoxalmente, complexa e bastante simples.

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Em 2013, após um dos mais longos e prósperos períodos de expansão da renda média real dos brasileiros – entre o Plano Real e o final do segundo governo Lula  – a sociedade brasileira entrou em ebulição, com manifestações violentas por todo o País (quem não se recorda do Palácio do Itamaraty em chamas?), que colapsaram irremediavelmente a popularidade da presidente Dilma Rousseff, culminando em seu impeachment poucos anos depois.

Após conseguir acesso a bens de consumo como televisões, celulares e micro-ondas, a população queria muito mais. E passou a enxergar no Estado, e não no setor privado, o maior obstáculo à tão desejada ascensão social. A baixa qualidade dos serviços públicos, como educação, saúde, transportes e infraestrutura, contrastava com um Estado hipertrofiado, que através do crowding out sugava todos os recursos disponíveis e resultava em taxas de juros mais elevadas que no resto do mundo, restringindo também a alavancagem e capacidade de financiamento de empresas e indivíduos.

O descalabro fiscal da Nova Matriz Econômica agravou bastante a crise, trazendo a mais longa e profunda recessão de nossa história. No meio de tanta frustração e raiva, veio a onda moralizadora que impulsionou a Operação Lava Jato. Mas a corrupção era apenas a face mais nociva e repulsiva de um quadro mais amplo e causador de nosso atraso histórico: o modelo de crescimento econômico através de gastos públicos de baixa produtividade e com critérios pouco técnicos havia se esgotado.

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Foi neste contexto que chegou o governo Temer, surpreendentemente exitoso em tão breve mandato, que trouxe de volta o diálogo aberto e a cooperação com o Parlamento e conseguiu implementar diversas e importantes reformas. Infelizmente, o governo já em 2017 foi abatido por um grande escândalo que lhe retirou as condições de prosseguir nas reformas e aumentou o anseio da população por uma nova liderança que rompesse com a política tradicional, por um outsider, com todos os riscos inerentes à pouca experiência em cargos executivos ou no diálogo com o Congresso Nacional.

O governo Bolsonaro chegou após uma campanha marcada por uma tentativa de homicídio, com início claudicante na coordenação política e com alguns personagens pitorescos em cargos importantes de primeiro escalão. Porém, com o passar do tempo, encontrou um caminho, melhorou a relação com o Congresso e conseguiu aprovar uma série de reformas importantíssimas para o Brasil, como a da previdência, a independência do Banco Central, os marcos do gás e do saneamento, entre outras.

Mais importante, o governo Bolsonaro continuou e aprofundou o processo de redução do Estado e controle das contas públicas iniciado no Governo Temer.

Mesmo com a pandemia, que tornou necessário um enorme esforço fiscal e monetário para preservar a economia e proteger uma população com alto grau de informalidade, sem proteção do Estado, conseguimos colocar as contas em ordem e deixar de herança um gasto primário inferior ao assumido do governo anterior, pela primeira vez desde a promulgação da desequilibrada Constituição de 1988, como apontado por Mansueto Almeida.

Como é de conhecimento geral, o governo Bolsonaro foi muito competente no front econômico, mas provocou muitos confrontos com o Judiciário e gerou uma rejeição alta, inclusive na grande mídia. O resultado foi uma eleição extremamente polarizada, em que a rejeição a ambos os candidatos teve um papel mais relevante que o voto ideológico, de apoio explícito ao projeto político. Quem quer que vencesse teria uma difícil missão: conciliar e unir a sociedade brasileira.

O presidente Lula foi eleito com apoio de segmentos da sociedade que historicamente fizeram oposição ao PT e sob o signo da defesa da democracia, de uma frente ampla. A expectativa geral era da montagem de um governo que refletisse esta coalizão e caminhasse para o centro do espectro político, atento às expectativas de seus eleitores e do grau de mobilização e de rejeição por parte daqueles que votaram em Bolsonaro.

Depois de uma primeira semana de lua de mel com os mercados, começaram a chegar recados, às vezes pouco sutis, de uma volta não aos governos Lula 1 e 2, mas à política que fracassou de maneira retumbante no governo Dilma. A reação do mercado foi bastante forte e os preços dos ativos começaram a sinalizar desancoragem, perspectiva de volta da inflação, desvalorização cambial e dos ativos de risco, além de forte retração do investimento privado.

No final da primeira semana após a posse, o governo reagiu em diversas frentes, dando um freio de arrumação e desmentindo a intenção de rever a Reforma Trabalhista, reestatizar a Eletrobras e acabar com Lei das Estatais.

Os eventos lamentáveis que ocorreram em 8 de janeiro de 2023, dos mais tristes da história do Brasil, são um alerta de que isto apenas não será suficiente. Lula precisa pacificar e unificar o País, trazer crescimento econômico e justiça social. Mas isto só é possível com responsabilidade fiscal.

Não podemos mais vender o futuro para ganhos de curto prazo. A Nova Matriz Econômica mudou a trajetória de nossa dívida pública que, apesar da boa gestão entre 2017 e 2022, é muito mais elevada que a de nossos pares emergentes.

Lula tem a faca e o queijo na mão. Os três poderes e os governadores estaduais mostraram união na defesa dos valores democráticos após os ataques. Teremos uma grande safra em 2023, que deve trazer alívio para o preço dos alimentos. Com uma gestão competente e responsável, o Brasil deverá finalmente decolar.

Mas não podemos nos iludir. O clima é de profunda divisão e uma gestão que só sinalize para a sua base e abandone os princípios de boa política econômica pode provocar uma crise social profunda e nos levar ao caos.

Que o espírito de Nelson Mandela inspire o presidente Lula e que as feridas que foram abertas nestes últimos dez anos possam cicatrizar. O poema Invictus, de William E. Henley, que consolou Mandela em seus 27 anos de prisão, de onde saiu sem rancor e sem procurar vingança, termina assim: “I am the master of my fate. I am the captain of my soul” (“Sou o senhor do meu destino, o capitão da minha alma”, em tradução livre).

Estamos todos trabalhando arduamente e torcendo por um Brasil melhor e mais justo para todos, com ordem e progresso.

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Walter Maciel

CEO da AZ Quest desde 2011