Opinião: A volta de Gerson ao Flamengo e o futebol brasileiro em evolução

Há quem diga que Gerson falhou na Europa. Outros dizem que ele apenas escolheu uma opção melhor. Sinto informar que as ambas as visões estão certas

Cesar Grafietti

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O Flamengo pagou cerca de € 20 mi ao Marseille para trazer de volta o meia Gerson (Buda Mendes/Getty Images)
O Flamengo pagou cerca de € 20 mi ao Marseille para trazer de volta o meia Gerson (Buda Mendes/Getty Images)

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Ano novo e a coluna começa com polêmica. Ou melhor, vou tentar abordar de forma menos colérica um tema que gerou polêmica recentemente.

Nem tudo é binário na vida. No futebol, menos ainda. Por vezes, duas visões antagônicas se completam e não se afastam. Isso ajuda a explicar algumas dinâmicas do futebol além do tema em si.

O tema é a contratação do Gerson pelo Flamengo.

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Atleta jovem, com duas passagens pelo futebol europeu, onde atuou por Roma, Fiorentina e Olympique de Marseille. O meia chegou ao futebol italiano e não se firmou. Retornou ao Brasil e jogou muito bem pelo Flamengo, o que o levou de volta à Europa pelas mãos de Jorge Sampaoli, que comandava o clube francês. Cerca de 18 meses depois, e já sob um novo treinador, Gerson retorna ao Brasil.

Tem 25 anos. Teve duas oportunidades na Europa. Nessa segunda volta, o valor de negociação foi algo em torno de € 20 milhões, bastante baixo para negociações na Europa. Entre as duas passagens em clubes médios europeus, teve excelente desempenho num dos maiores clubes da América do Sul, com conquistas relevantes.

Partindo desse cenário, há quem diga que Gerson falhou na Europa. Outros dizem que ele apenas escolheu uma opção melhor ao retornar ao Flamengo. Sinto informar àqueles que tem mentes binárias, mas ambas as visões estão certas.

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Vamos começar pelo lado “negativo”: Gerson falhou na Europa.

É verdade. Atuou em clubes de porte médio, teve dificuldades em encontrar uma forma eficiente de atuar, não chamou a atenção de clubes de melhor estrutura e capazes de disputar títulos. Não dá para fingir que isto não aconteceu, nem que na Europa atuam os melhores jogadores do planeta.

Basta atuar na Europa para ser bom? Claro que não. Há atletas bem “mais ou menos” e isso se explica porque não há espaço para todo mundo, há limitações de estrangeiros, há erros de avaliação. Mas os melhores estão lá.

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Assim como não dá para fazer chacota com o futebol francês, por exemplo. A seleção do país disputou as duas últimas finais de Copa do Mundo, sendo que na mais recente tinha vários desfalques e atuou com muitos jovens. Só quem é binário e não acompanha com atenção é capaz de dizer que o futebol francês é fraco.

Lucas Paquetá, por exemplo, foi se destacar no futebol francês, e isso o levou à Premier League. Sem contar todos os demais franceses e africanos que começaram lá e hoje se espalham pela Europa (e não pelo Brasil ou pelo “mundo árabe”).

Considerando o que é público, Gerson ter passado duas vezes pela Europa, em duas escolas diferentes – sendo a segunda considerada “fraca” pelos que acompanham futebol pelas manchetes – e voltar ainda jovem ao Brasil é um sinal de que o atleta não se destacou no mercado mais exigente do mundo. Ponto.

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Agora vamos aos mitigantes, para chegar ao outro lado da história.

Podemos dizer que na Europa existem 18 clubes de primeira linha: Benfica, Porto, Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Manchester City, Manchester United, Arsenal, Liverpool, Chelsea, Tottenham, PSG, Milan, Inter, Napoli, Juventus, Bayern e Ajax.

São os clubes que disputam e vencem seus campeonatos nacionais e podem ter alguma esperança na Champions League.

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Nos perfis táticos atuais, nos quais os clubes atuam com três atletas no meio-campo, teríamos então 54 posições disponíveis como titular, mais uns dois reservas “de luxo” por clube, o que faz com que tenhamos 90 atletas de meio-campo atuando nessas equipes como protagonistas.

Se separássemos por característica e qualidade óbvia – Messi, Modric, Kroos – e atletas que estiveram com suas seleções na Copa, é possível que a quantidade de vagas a serem disputadas pelo Gerson serem cerca de 30. Logo, não é uma tarefa fácil ocupar uma vaga em qualquer dessas equipes de ponta. É preciso ser, de fato, acima da média.

E pode guardar contigo a citação do atleta A ou B que você “acha” ruim, porque se estão nesses clubes a única coisa que podemos dizer é que não são ruins. Vamos deixar o achismo de lado, por favor.

Gerson e a escolha justa

Sem espaço para atuar em clubes de ponta e que disputam títulos, caberia ao atleta se aventurar em clubes que disputam o meio da tabela para seguir buscando destaque até, quem sabe um dia, chamar a atenção de algum clube dominante.

Atuar nesses clubes menores não garante remuneração milionária. O salário não é ruim, mas também não é fora do comum. Então você tem a oportunidade de receber tanto quanto (ou até mais) num dos maiores clubes da América do Sul, candidato a títulos, com uma torcida que o respeita. Vai descartar essa possibilidade?

Diferente de quem vê acomodação, vejo o contrário. Acomodação seria jogar no Marseille, na Roma, no West Ham, no Sevilla, clubes que sabem que não serão campeões, que têm pressão muito menor por conquistas e que acabam colocando o atleta numa bela zona de conforto.

Atuar num clube protagonista, que entra nas competições com a obrigação de vencer, não tem nada de confortável. Muito pelo contrário. Sem contar a disputa que haverá para jogar, com companheiros qualificados e que querem ser titulares.

Logo, não há por que negar que Gerson não se destacou na Europa. Assim como tantos outros atletas. Ao mesmo tempo, a escolha por jogar no Flamengo não tem nada de estranho ou frágil. Pelo contrário, é demonstração de vontade de vencer. Todos estão certos em suas visões, mas errados se e quando acreditam que sua visão é a única possível.

E o que isso tem a ver com o futebol brasileiro? Muito.

O Brasil não tem o melhor futebol de clubes do mundo. Está longe das principais ligas europeias, mesmo que muitos “pachecos” – procure no Google o que significa esta expressão – insistam em tentar desmerecer algumas ligas do Velho Continente.

Os melhores atletas estão por lá, o mercado é maduro no processo de negociação de clubes, de atletas, de aplicação de tecnologia de scouting, de exploração de algumas propriedades intelectuais.

Mas o Brasil tem um futebol em evolução. Os clubes estão pensando de forma mais estruturada, em algum momento teremos uma liga que permitirá melhorar a qualidade do produto, estamos aumentando o intercâmbio com treinadores europeus, trazendo atletas de mais qualidade.

Gerson no Brasil é um acerto do atleta, do Flamengo e um sinal de que o futebol está evoluindo no país. Mas a negociação também mostra que nem todos podem atuar nas melhores ligas, como nem todos atuam nos melhores filmes, com os melhores diretores, nem tocam nas melhores orquestras.

Isso não diminui ninguém, apenas aumenta a qualidade de outros espetáculos.

O futebol brasileiro está em evolução. Vamos ver se ele consegue sair do quase para alcançar o potencial que se espera.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti