A queda do valor dos direitos de transmissão de futebol e o risco no Brasil

Nos últimos meses, percebemos algumas referências circulares: i) redução de valores, ou crescimento pouco relevante nos mercados domésticos; e (ii) poucos interessados e repetição de empresas

Cesar Grafietti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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Diz aquele velho ditado que “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”. Pois bem, a pandemia acelerou a primeira parte do dito popular em relação ao futebol e a venda de direitos de transmissão das competições. Chegou a hora do pouso, que pode ser tenso ou, na esperança dos clubes e ligas, um “soft landing”.

O primeiro sinal foi a renovação de contrato de direitos domésticos da Bundesliga, que ocorreu em junho de 2020 e cujo valor atingiu € 4,4 bilhões por quatro anos, uma redução de € 200 milhões em relação ao anterior.

Parece pouco, mas federação e liga comemoraram, já que a expectativa era de queda maior. Sky, DAZN e ProSieben venceram a disputa pelos direitos, que teve a Amazon deixando a competição. A empresa de Jeff Bezos optou por comprar um pacote local da Champions League.

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No ano passado, também vimos o caos gerado pela Mediapro na Ligue 1 francesa. A empresa espanhola havia comprado os direitos exclusivos da competição, transmitindo os jogos num canal exclusivo de pay-per-view. Com a deterioração da condição econômico-financeira da empresa, associada a uma adesão muito abaixo do necessário para atingir o equilíbrio, houve uma ruptura de contrato.

A liga francesa tentou um novo leilão. Mas nenhuma das propostas feitas por Amazon, DAZN e Discovery foram aceitas. Os clubes franceses estão sendo duplamente impactos nesta temporada, seja pela pandemia, seja pela quebra do sistema de transmissões.

Daí chegamos à Itália, que fez sua renovação para os próximos três anos há poucas semanas. No modelo anterior, havia dois pacotes, ambos exclusivos, mas um com sete partidas e outro com três partidas por rodada. Na renovação que vale para 2021/22 até 2023/24, a liga optou por vender um pacote com todas as partidas da rodada, sendo sete exclusivas, e outro com três partidas que seriam divididas com o pacote principal. O DAZN venceu o leilão pelo pacote principal, por € 840 milhões anuais, e a Sky por € 87,5 milhões pelo pacote secundário. Dá um total de € 927,5 milhões, 4,5% inferior ao contrato anterior.

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Vamos agora à Inglaterra e sua Premier League. A liga decidiu promover uma renovação sem fazer leilão. Segundo matéria do The Guardian, a avaliação da liga é de que a disputa poderia gerar uma redução de valores entre € 700 milhões e € 900 milhões.

Dessa forma, para evitar a queda de arrecadação e o risco de Sky, BT e Amazon perderem o contrato atual, que foi renovado há três anos por cerca de € 5,3 bilhões – inferior aos € 5,9 bilhões anteriores (sempre na cotação de hoje, como referência, pois são fechados em libras) – foi celebrado esse acordo de manutenção de valores e transmissores.

Claro que isso também gerou questionamentos de potenciais interessados, como o DAZN, e há um risco de o processo ser revisto. Mas o fato é que a Sky já havia sinalizado que os valores seriam menores, pois o retorno tem sido cada vez menor. Assim como a BT, uma empresa de telecom que tem o desejo de reduzir valores pois deve fazer investimentos da ordem de € 14 bilhões na modernização da rede de fibra local e em 5G. O dinheiro não é infinito. E a Amazon segue sua linha de gastar pouco e ter o suficiente para adicionar conteúdo à plataforma.

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Falando em empresa de telecom, chegamos à Espanha. A Telefônica é o grande parceiro da LaLiga na aquisição de direitos de transmissão locais.

Para a renovação de contrato dos próximos três anos, que começou a ser discutida agora, a empresa informou que deve fazer uma oferta menor que o valor pago pelo contrato atual.

Segundo a Bloomberg, a CFO da Telefônica diz que o futebol é parte importante da estratégia da empresa, mas que há outras linhas de negócios e os valores atuais não geram a rentabilidade necessária e compatível com outros interesses.

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Nesse apanhado de notícias encontramos algumas referências circulares: i) redução de valores, ou crescimento pouco relevante nos mercados domésticos; e (ii) poucos interessados e repetição de empresas.

Note que falamos sempre de DAZN, Sky, parceiros locais como BT e Telefonica, uma empresa em dificuldade (Mediapro) e Amazon. Não existe abundância de dinheiro no mercado, simplesmente porque existem poucos players robustos o suficiente para fazerem propostas relevantes.

E esses players as fazem porque contam com receitas combinadas com outros produtos, seja uma assinatura de TV paga, seja a assinatura de um serviço múltiplo (como o Prime, da Amazon), ou a tentativa de tornar o negócio grande e viável (caso da DAZN).

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E por que será que ninguém parte, então, para a estratégia genial de fazer seu canal próprio e vender assinatura diretamente? Ora, porque ela tem riscos e porque os valores atuais estão muito acima do que realmente o negócio é capaz de trazer de retorno.

Se optassem por estratégias de venda direta, ou de canal exclusivo, seriam apenas mais um produto entre tantos outros disponíveis no mercado. Então, aquela velha conversa de “concorrência com outros entretenimentos” sairia do papel e se transformaria na dura realidade de ser mono-produto num ambiente altamente competitivo.

Diversificar parceiros e plataformas é interessante, necessário e será um desafio constante para os próximos anos. Mas é necessário fazê-lo com inteligência, sem abrir mão do dinheiro hoje, pensando num “eventual-potencial-possível” dinheiro futuro. “Ah, mas onde fica a conversa da ‘inovação’ se tudo ficar como sempre foi?”

Pois é. Inovação é fazer melhor e de forma mais eficiente. Inovação não é simplesmente mudar o modelo por algo “mais novo” e perder valor. O processo passa necessariamente por entender as demandas do mercado, as possibilidades e oportunidades de novas fronteiras, mas lembrando sempre que o dinheiro é um bem escasso e caro. E mais caro ainda é ficar sem ele.

Daí chegamos ao Brasil. O momento é de mudanças, de novas possibilidades, da entrada de novos negócios de transmissão no futebol. Seja na Libertadores, seja na Copa do Nordeste, os campeonatos estaduais, competições estrangeiras. Muita coisa mudou. E todos estão de olho na renovação de contrato do Campeonato Brasileiro, a partir de 2025.

Gostaria muito de ver os resultados financeiros de todas essas mudanças. Por exemplo, tirando os interessados oficiais no sucesso do modelo do Campeonato Carioca, não vi Fluminense, Botafogo e Vasco comemorando os resultados, nem mesmo clubes menores. Talvez tenhamos surpresas, mas negativas.

Dirão que isso demanda tempo, que mudanças importantes demoram a surtir efeito. Pode ser. Mas a realidade de uma startup que pode queimar caixa por anos até ser lucrativa – ou fechar, deixando perdas para seus investidores – é diferente da de um clube de futebol. Espero, um dia, ver o desempenho do Campeonato Carioca.

Aqui não há uma defesa de A, B ou C, mas sim do negócio futebol. O segredo é sempre entender por onde passa o dinheiro, e segui-lo. Mais que grandes e brilhantes ideias, elas precisam estar sustentadas em bases sólidas de retorno financeiro. Mas, especialmente, em atender ao cliente, que é o torcedor.

Recentemente, a agência de comunicação inglesa Ear to the Ground fez uma grande pesquisa mundial com torcedores da Geração Z – entre 16 e 24 anos – sobre o que achavam da Superliga de Clubes. As respostas, obtidas a partir de entrevistas pessoais, indicam que 80% deles era contra. E que, apesar de 75% deles quererem mais partidas entre grandes clubes, a ideia de que isso aconteceria em uma liga fechada, sem mérito, era rebatida pelos torcedores.

Cada vez mais eles se interessam não só pela vitória de um dos seus clubes – os “fãs” acompanham e torcem por vários clubes, o que já é uma tendência de afastamento que poucos prestam atenção – mas pelo sucesso dos menores. Uma conquista do Leicester tem tanto ou mais valor que uma do Chelsea.

No final, um dos acionistas da Ear to the Ground, Owen Laverty, deixa uma avaliação que simboliza uma série de coisas que vemos em relação ao futebol atualmente – não só ao futebol, mas ficamos por aqui, uma vez que este é o tema da coluna – que é a agenda pessoal, muitas vezes oculta, na divulgação de informações e ideias.

Laverty sugere que os donos e presidentes de clubes que formaram a Superliga caíram na armadilha de olhar apenas as respostas que atendiam às suas expectativas, quando buscavam a opinião dos fãs e torcedores. E diz: “Se você tem uma visão pré-definida de um tema, qualquer um pode lhe entregar respostas e pesquisas que a justifique. O mais importante quando você propõe uma pesquisa ou estudo é não ter a resposta antes da pergunta, ou você só procurará respostas que justifiquem suas ideias”.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti