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No último dia 10, o presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva fez um discurso no Centro Cultural Banco do Brasil, em BrasÃlia, em encontro com parlamentares aliados, que gerou polêmica. Para ele, não há problema em descumprir com o orçamento se existe uma necessidade do povo, gerando gastos que excedam as receitas.
De acordo com o polÃtico: âPor que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste paÃs?â.
A ideia central da responsabilidade social e da irresponsabilidade fiscal foi reiterada na 27ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas, no dia 17: âNão adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal, porque a gente tem de começar a pensar em responsabilidade socialâ, disse o futuro presidente.
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Para responder a questão formulada sobre a necessidade de se discutir com seriedade o teto de gastos é que os economistas ArmÃnio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, publicaram uma carta aberta na mesma data.
Os autores explicam que âa responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade socialâ. Para eles, âo desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolverâ.
Quando o governo não se preocupa com a responsabilidade fiscal, é percebido pelos credores como potencial mau pagador. Então, o risco para emprestar dinheiro fica majorado e, por consequência, a taxa básica de juros, que está alta, precisa ser ainda mais elevada.
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Taxa básica de juros alta implica na redução do acesso da população a empréstimos e financiamentos, diminuindo a capacidade de consumo e investimento. à ruim para quem precisa comprar e também para quem precisa vender, desacelerando a economia. Com a queda nas receitas, as empresas buscam reduzir custos e despesas para manterem a lucratividade e, portanto, aumenta a probabilidade de elevação na taxa de desemprego.
Em contraponto, os economistas e pesquisadores José Luis da Costa Oreiro, lÃder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento da Universidade de BrasÃlia, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, vice-lÃder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Kalinka Martins da Silva, professora do Instituto Federal de Goiás, e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, publicaram uma carta no dia seguinte, 18, em defesa da responsabilidade social, mesmo com o estouro do teto de gastos.
Para eles, o teto de gastos não garante disciplina fiscal e as polÃticas fiscal e monetária interferem pouco no processo inflacionário. Os economistas e pesquisadores entendem que âo teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamentoâ e que âdeve ser substituÃdo por uma nova regra fiscalâ.
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Tendo a concordar que pode ser necessário descumprir o teto de gastos para garantir saúde, educação e segurança à população, mas somente quando esgotadas as possibilidades de redução de gastos não essenciais.
As reformas administrativas, reestruturando gastos e salários dos servidores públicos e tributária, atraindo investimentos por meio de estabilidade jurÃdica, de regulação eficiente e de redução de sua complexidade, parecem urgentes para a garantia do equilÃbrio fiscal, mas pouco ou nada se fala sobre isso.
Parece-me que a discussão central não está no teto de gastos, que tende a surgir em momentos de crise social, mas na preocupação com o aumento da dÃvida pública. De 2013 a 2021, o governo não apresentou superávit primário anual, que garante os recursos necessários para o pagamento dos juros da dÃvida pública e do endividamento do governo nos médio e longo prazos.
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Jeremy Hope e Robin Fraser publicaram em 2003 um artigo intitulado âQuem precisa de orçamentos?â. Esses autores são também fundadores do Beyond Budgeting Institute (âInstituto Além do Orçamentoâ, em tradução livre) que critica o processo orçamentário adotado pelas organizações. Para eles, em vez de orçamento, as empresas deveriam estabelecer objetivos de prazos mais longos e adotarem metas de lucro, custo, satisfação do cliente e qualidade, como exemplos. Contudo, melhores resultados implicariam em recompensas.
A administração pública e a administração empresarial têm as suas diferenças. No entanto, a pergunta que fica é: será que o modelo do orçamento público brasileiro não carece de revisão ou de reforma, que considere a necessidade de uma rubrica voltada ao enfrentamento de crises? Será que a gestão e qualidade dos gastos não deveriam ser repensadas e mais bem discutidas?