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Na Argentina, como no Brasil, política e futebol costumam andar lado a lado. E a campanha eleitoral para escolher o novo presidente argentino, com o segundo turno da disputa acontecendo neste domingo, não fugiu à regra. No final de semana, o ultraliberal Javier Milei, que disputa a principal cadeira da Casa Rosada com o ministro da Economia, Sergio Massa, sentiu o peso de mexer com um dos símbolos da identidade argentina, ao defender que clubes de futebol se tornem empresas.
Muitos especialistas lembraram com a nova polêmica de uma frase que é atribuída tanto ao ex-treinador César Luis Menotti quanto ao ex-jogador e técnico Jorge Valdano, sobre o futebol ser “a mais importante das coisas sem importância”. Ou que o escritor uruguaio Eduardo Galeano, que morou na Argentina nos anos 1970 e era um fã declarado de futebol, escreveu em um de seus livros sobre o esporte mais popular do planeta que “o futebol é a única religião sem ateus”.
Sociedades anônimas
As afirmações de Milei que causaram polêmica, na verdade, não são novas, mas foram recuperadas nessa reta final de campanha. No ano passado, em meio a discussões sobre as sociedades anônimas desportivas (SADs), o equivalente ao modelo brasileiro de SAFs, o hoje candidato libertário comentou que gostava do modelo econômico inglês, no qual existe um sócio controlador e os clubes têm até ações negociadas em Bolsa.
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Ao responder se não acharia estranho que um Boca Juniors ou um River Plate fosse controlado pelo capital árabe ou francês, Milei foi direto “y que carajo te importa quién es (o dono) se te ganas a River 5-0, es campeón del mundo?”, perguntou, acrescentando que isso seria preferível do que seguir na miséria do futebol local, com cada vez menos qualidade. Ele continuou: “Você preferiria perder de 4 a 0 para o Milan, mas dizer ‘sou nacional e popular?’, em vez de dar-lhes um baile romântico?”, indagou.
Numa entrevista mais recente, Milei disse que frente a um país que empobreceu tanto, as pessoas não podem pagar muito por um espetáculo e que a liga de futebol local sobre com a utilização de jogadores muito jovens e inexperientes, aos quais se somam veteranos às portas da aposentadoria.
A opinião sobre o tema ganhou mais força nas últimas semanas, quando o ex-presidente Mauricio Macri declarou apoio incondicional a Milei. Macri que foi presidente do Boca entre os anos 1990 e começo dos 2000 é um defensor do investimentos privado no futebol, de olho no modelo europeu.
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“Na América Latina, ele (o futebol) está muito atrasado porque ainda se desconhece o funcionamento das SADs. Sabendo dos problemas na Europa, poderíamos aprender e dar o próximo passo”, disse o ex-presidente em setembro de 2021.
Reação dos clubes
Mas a reação dos clubes de futebol do país foi forte neste final de semana. A grande maioria dos times foi às redes sociais para criticar mudanças que levam à sua transformação em sociedades anônimas.
“Fiel às suas origens, respeitador dos princípios claros defendidos há quase 120 anos, o Boca Juniors ratifica o seu caráter de Associação Civil sem fins lucrativos e a premissa de que o nosso clube pertence à sua gente, associados que o tornam maior a cada dia”, escreveu nas redes o clube que foi comandado por Macri.
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O River Plate, por vez, afirmou que “seguindo o espírito dos nossos fundadores, rejeitamos as sociedades anônimas no futebol argentino, como ratificou a nossa Assembleia em 2016, quando a Superliga foi criada. O Clube Atlético River Plate é uma Associação Civil sem fins lucrativos, e pertencerá sempre aos seus associados, que são o sustentáculo destes 122 anos de grandeza.”
Também emitiram fortes notas de repúdio à ideia outros clubes da 1ª divisão, como Independiente, Racing, San Lorenzo, Newell’s, Rosario Central, Colón, Unión, Tigre, Platense e Arsenal de Sarandí. Clube menores, que estão nas divisões de acesso se juntaram aos grandes: Quilmes, Argentino de Quilmes, Temperley, Deportivo Riestra, Estudiantes de Buenos Aires, Patronato de Paraná, Ituzaingó, Los Andes, Almagro o Acassuso são alguns exemplos.
Curiosamente, o Clube Atlético Chacarita Juniors, no qual Javier Milei atuou como goleiro nas categorias de base, também se posicionou contra essa nova forma de controle acionário, porém sem forçar a mão nas críticas. Nas redes sociais, o clube lembrou que seu novo estatuto diz claramente que que massa societária da instituição é e será sempre dos associados, “sendo expressamente proibida a adoção de qualquer forma jurídica societária que os desloque na qualidade de únicos proprietários da entidade”.
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O jornal Ámbito Financiero destacou em reportagem neste final de semana que, no início do ano, a própria Federação Argentina de Futebol (AFA) se pronunciou contrária à ideia de privatizar os clubes de futebol.
“É difícil entender como é possível que ainda não valorizemos integralmente nossos clubes e tentemos continuar copiando modelos que não são aplicáveis às nossas realidades. Muitos clubes no mundo dão às suas comunidades o que os nossos dão a nós? Você abre suas portas em caso de emergência de saúde?”, perguntou a AFA em relatório publicado em março.
A AFA lembrou que os clubes do país são associações civis sem fins lucrativos, que têm um esporte federado como o futebol, mas que também têm outras atividades desportivas, federadas e não federadas, muitas delas culturais, e com grande apoio social à sua comunidade.
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Populismo
Já Sergio Massa, que é torcedor do pequeno Tigre, também tem suas propostas para o futebol, mas que caminham mais na linha do populismo tradicional. No início do mês, ele prometeu a volta da presença de torcedores visitantes aos jogos, algo proibido nas competições domésticas desde 2013, na 1ª divisão, e desde 2007, no acesso. Isso por conta de diversos episódios de violência entre as torcidas. Integrantes de sua campanha também acenaram com um regime especial de isenções fiscais para os clubes.