Americanas vs FTX: é possível construir um sistema totalmente à prova de fraude?

O que é pior, a quebra/fraude da FTX ou a quebra/fraude das Americanas?

Gustavo Cunha

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(Shutterstock)
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Na altura em que escrevo tudo indica que o caso das Americanas vai entrar para a história como um dos grandes casos de fraude do mundo. Poucas semanas após a Netflix lançar, e eu assistir, o documentário sobre a fraude que Madoff fez nos USA e que veio à tona em 2008, somos surpreendidos com a notícia de que uma das maiores varejistas brasileiras tem práticas contábeis heterodoxas, para não dizer fraudulentas, há vários anos.

Pra quem passou o ano passado acompanhando mais cripto do que o mercado financeiro tradicional e viu os problemas enormes que a quebra da blockchain da LUNA, sua stablecoin UST e toda a derrocada que aconteceu com a FTX e as discussões mais recentes entre DCG e Gemini, vem logo a pergunta que muitos me fizeram. O que é pior, a quebra/fraude da FTX ou a quebra/fraude das Americanas?

Minha resposta rápida é que a fraude das Americanas é uma surpresa muito, mas muito, maior do que a quebra da FTX.

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Por mais que ninguém imaginasse que a FTX pudesse ser o descontrole e fraude que veio a se mostrar, todos que estão, de uma forma ou de outra, envolvidos nesse mercado sabem dos riscos, do fato de não haverem reguladores, intermediários, regras claras, etc…. É um mercado desregulado, em construção e que, por definição, traz riscos enormes. Até o momento da quebra da FTX não havia, e ainda não há, seja uma regulação ou uma regra geral do que as exchanges tem que fazer e como.

No caso das Americanas isso é exatamente o oposto. Está em um dos mercados mais regulados do mundo (Brasil), com regras claras, um sistema de controles que envolve não só o regulador, mas códigos e processos de autorregulação, intermediários que verificam os números (auditores), etc. Um aparato enorme que é pago por todo o sistema e os contribuintes brasileiros que pagam seus impostos. A pergunta que fica aqui é como isso pode passar desapercebido por todos?

E é aqui que todos os casos de fraude se juntam. Tirando teorias da conspiração de que tinha uma meia dúzia que fez isso de propósito e que o que estamos vendo agora não é nada mais, nada menos, do que um teatro para todos os envolvidos saírem bem, teoria que não consigo constatar a veracidade em nenhum dos dois casos, o que acontece em todos casos é que tudo começa com um pequeno passo para o lado negro da força e dai não tem mais volta.

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Com o Madoff foram US$ 30.000 que o ensinaram que ele não precisava mostrar que tinha errado, com a FTX foram transferências iniciais para a Alameda, e com as Americanas acredito que tenha seguido o mesmo caminho.

O problema disso é que depois que se encontra o caminho e esse é carimbado por todos, o aumento pode ser não controlável e vai até explodir. Apesar de setores diferentes, tempos diferentes, particularidades diferentes, esses 3 casos seguem o mesmo roteiro e ambos darão grandes sérias que acompanharemos em um futuro próximo.

Uma questão implícita em todas essas discussões são as relativas à confiança do sistema de controles/regulatório do mercado tradicional.

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Não há dúvidas que esse foi abalado. A começar pela auditoria. Como não pegou isso? Mas vou além, os reguladores deveriam ter mecanismos para bater os números. Dado que os bancos que estavam envolvidos nas operações com as Americanas colocaram isso como dívida, (estou aqui pressupondo que os bancos registraram tudo corretamente, o que não tenho porque achar diferente) será que não há checagem do total registrado no balanço dos bancos com o que a contabilidade das Americanas tem registrado nesse item? Não sei se estou perdendo algum pormenor aqui, mas não me parece tão difícil fazer isso. E se for, vamos colocar processos e tecnologia aqui para auxiliar.

Se por um lado o sistema não funcionou, isso não quer dizer que devamos ir para uma anarquia total. E aí a experiencia de cripto demonstra isso. Não ter nenhuma regulação, estilo faroeste, não me parece ser uma solução viável para os tempos de hoje. Temos que caminhar juntos, rumo a sistemas mais seguros, inclusivos, que garantam privacidade, entre outros fatores.

Chegaremos em algum momento a um sistema 100% a prova de falha. Não! Mas quanto mais melhorarmos, melhor para todos. Blockchain, descentralização, inteligência artificial, e outras tecnologias estão aí para ajudar a criar um ambiente com regras, supervisão e segregação de atividades. Assim vejo.

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Essas regras são, entre outras coisas, uma forma de não nos deixar, pessoas ou instituições, ser levados por temas mais humanos e menos pragmáticos.

Explico: em todos os casos citados acima houve falhas de análise, seja no investimento que grandes VCs fizeram na FTX sem realmente analisar em que estavam investindo, seja pelos responsáveis por atestar que as práticas contábeis das Americanas estavam corretas.

Há uma grande chance de isso ter sido feito por algum viés comportamental como terceirizar a analise para outro que você acredita fazer um bom trabalho, a ideia de que o negócio cresceu muito e com isso deve ter os controles necessários, a influencia que os dono e a empatia deles tem, entre outros vários.

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Muitos desses fatores fizeram com que processos fossem ignorados ou feitos de maneira displicente. Mas isso não tem a ver com os processos em si, mas com as pessoas os seguindo. O que digo não é fácil nem trivial de ser alcançado. Eu mesmo tenho que estar sempre atento a toda tomada de decisão para não ser levado por vieses. Mas ter processos definidos e que você segue ajuda muito nisso.

Por fim fica sempre a recomendação que em cripto é uma obrigação todos seguirem “DYOR”, Do Your Own Research, ou em português claro, Faça Sua Própria Pesquisa, siga SEMPRE o seu processo de análise.

Keep safe e sigamos na construção de um futuro melhor.

Fico por aqui e aguardo seu feedback.

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Leituras complementares:

Uma boa explicação do que aconteceu com a FTX

Uma boa explicação do que aconteceu com a Americanas

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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)