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Tal qual um ser vivo, a desigualdade social tem a capacidade de se adaptar à s condições conjunturais do PaÃs, de modo que, por não ser efetivamente combatida â tampouco compreendida no que diz respeito à sua origem â, transita pela história brasileira desde antes da escravidão. Isso é o que diz VinÃcius Müller, historiador econômico e professor do Insper.
Em entrevista ao UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, produzida em parceria com a Brazilian Student Association (BRASA), a maior associação de brasileiros estudantes no exterior, e a Revista Problemas Brasileiros, Müller destaca que, até hoje, pouco se fez para enfrentar os aspectos mais profundos dos desequilÃbrios sociais.
âNão atacamos as questões de fundo da desigualdade, só atacamos sua representação. Contudo, ela se adapta e passa a ser representada por outras questões. Então, falta um olhar de longo prazo para entender as raÃzes e a natureza da desigualdade, e não como ela se revela na sociedadeâ, reflete o historiador.
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Além disso, Müller afirma que âa desigualdade é uma matriz de valor que compromete a capacidade de geração de riquezaâ, no sentido de que, nos perÃodos em que o PaÃs poderia crescer e reduzir as distâncias socioeconômicas, não tem capacidade de assim proceder, pois não conseguiu se preparar previamente ao momento favorável.
âMedimos a pequena queda da desigualdade no Brasil, nas últimas décadas, pela capacidade de consumo de alguns grupos. Entendo que, num paÃs como o Brasil, há uma represa, por causa da desigualdade e da pobreza histórica, que explode na hora que as pessoas podem acessar bens de consumo, mas não é assim que vemos o crescimento e a queda da desigualdade em conjuntoâ, argumenta.
âVemos pela melhoria da capacidade de as pessoas produzirem riqueza, e não de consumirem, porque, na primeira oscilação negativa, isso caiâ, ressalta. âVem uma pandemia, a pobreza volta absurdamenteâ, exemplifica o historiador econômico.
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Na avaliação de Müller, além de o PaÃs não se preparar institucionalmente para atacar o âproblema matricialâ gerador dos contrastes entre os estratos populacionais, a chaga da desigualdade também reside no âideal aristocrático da sociedadeâ.
âEnxergamos as pessoas a partir das diferenças sociaisâ, frisa. âTemos uma resistência imensa, por exemplo, de pôr na mesma escola pessoas de grupos sociais e econômicos diferentes. Quer dizer, prezamos por esta separação. Então, temos um fundo da desigualdade muito complexoâ, examina.
A educação como instrumento de desenvolvimento
Com base em uma pesquisa de sua autoria, Müller destaca que os governos estaduais, mais do que a União, são os principais responsáveis pela discrepância do nÃvel educacional do PaÃs. O estudo, referente ao perÃodo de 1850 a 1930, mostra um desnÃvel significativo no trato orçamentário com educação básica.
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âO modo como o Rio Grande do Sul se comportou por um perÃodo longo em relação à hierarquia dos gastos públicos, dando destaque à educação básica, é muito diferente de outras regiões. E isso tem impacto, evidentemente, no modo como a região se desenvolve ao longo do tempoâ, aponta.
Como comparativo, Müller sinaliza que, em Pernambuco, a despesa pública com educação básica variou, ao longo do mesmo perÃodo, como a quarta ou a quinta prioridade do governo estadual.
âNo começo do século 20, a soma do recurso público usado para pagamento de salários do Poder Judiciário de Pernambuco era maior do que todo o gasto com educação básica na região. Isso vai ter diferença no desenvolvimentoâ, pontua o historiador.