Satoshi Nakamoto é o pseudônimo da pessoa – ou grupo – que criou o Bitcoin (BTC), a primeira criptomoeda mundo. Quem é ele, no entanto, ainda é um mistério, sem solução há mais de uma década.
Desenvolvedores, jornalistas e entusiastas levantaram algumas hipóteses. Disseram que Nakamoto poderia ser um homem, uma mulher, um grupo, o empresário Elon Musk e até um membro da Yakuza, organização criminosa do Japão. Tudo especulação.
Nesse meio tempo, um dos suspeitos de ser o criador do BTC morreu e teve seu corpo congelado, o que apimentou ainda mais a trama que cerca a história do Bitcoin.
Neste guia, o InfoMoney detalha algumas teorias sobre a identidade de Nakamoto. Revela, também, um lado de Nakamoto que poucos conhecem: o de autoritário.
Quem é Satoshi Nakamoto?
Satoshi Nakamoto apareceu pela primeira vez na internet em 18 de agosto de 2018. Na ocasião, ele registrou o domínio bitcoin.org, depois repassado para outros desenvolvedores.
Dois meses depois, o misterioso personagem enviou um e-mail para uma lista de pessoas interessadas em criptografia – a Cryptography Mailing List. No corpo da mensagem, escreveu “tenho trabalhado em um novo sistema de dinheiro eletrônico totalmente ponto a ponto, sem terceiros confiáveis, seguido do link do white paper do Bitcoin (documento com instruções da tecnologia). Nascia ali o BTC.
Até abril de 2011, ele trocou dezenas de mensagens no Bitcointalk, fórum criado por ele para tratar de assuntos relacionados à nova criptomoeda. Nos posts, não há pistas relevantes que possam levar à sua identidade. No entanto, esses materiais jogam um pouco de luz sobre como ele – ou ela ou eles – se comportava no início do projeto.
E o curioso é que, pelo menos nos primeiros anos do Bitcoin, Nakamoto era o oposto de sua criação, fundada para ser descentralizada e sem um líder. Naquela época, conforme mensagens trocadas em fóruns, Nakamoto era chamado de centralizador, pois ditava as regras e dizia o que devia ou não ser feito. Em 2010, um usuário o chamou de “ditador benevolente para o resto da vida”.
O Bitcoin só se transformou em algo totalmente colaborativo quando ele deixou o projeto e passou a bola para outros desenvolvedores. Cabe ressaltar, no entanto, que apesar do comportamento inicial, todo o funcionamento do Bitcoin foi explicado no white paper. O autoritarismo no início da tecnologia – quando o BTC era conhecido por poucas pessoas e era coisa de nerd – pode ter sido necessário para implementar as bases do projeto, hoje o mais descentralizado do mundo.
Teorias sobre a identidade de Satoshi Nakamoto
Há diversas teorias sobre a identidade de Satoshi Nakamoto.
Uma delas é que ele é homem e nasceu em 5 de abril de 1975 no Japão. Essas informações estão em um perfil atribuído a ele na P2P Foundation, uma organização internacional focada na promoção de práticas peer-to-peer. Não é possível, no entanto, confirmar se a informação do perfil é verdadeira. Além disso, entusiastas questionam se de fato Nakamoto vem da Ásia.
Os motivos são os seguintes: em suas mensagens, o criador do BTC se comunica com inglês impecável, um indicativo de que teria nascido em um país de língua inglesa. Além disso, em nenhum momento ele utilizou japonês na documentação do software da criptomoeda.
Em 2010, nas trocas de conversas entre desenvolvedores, alguns usuários chegaram a cogitar que Nakamoto seria britânico. Outros levantaram a hipótese de na verdade ele ser uma mulher. Citaram, ainda, que o criador do Bitcoin poderia ser da Yakuza, a famosa organização criminosa japonesa. Ao longo dos anos, alguns chegaram a afirmar que Nakamoto na verdade era a CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos. Todas as teorias, no entanto, não passam de especulação.
Em outubro de 2021, o cofundador do PayPal, Peter Thiel, disse em uma conferência em Miami, nos Estados Unidos, que tem uma pista sobre a identidade do misterioso inventor da moeda digital. Segundo Thiel, Nakamoto teria participado de uma reunião em uma praia na ilha caribenha de Anguilla em fevereiro de 2000.
A praia foi local de encontro dos fundadores da E-Gold, uma iniciativa que surgiu em 1996 e que pretendia criar uma moeda digital. O projeto, no entanto, terminou em 2007 após os envolvidos serem indiciados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
“Bitcoin era a resposta para o E-Gold, e Satoshi aprendeu que era preciso ser anônimo e não ter uma empresa”, disse Thiel, que confessou não saber exatamente quem seria o inventor do Bitcoin. “Se soubéssemos quem é, o governo o prenderia”, completou.
Ao longo dos anos, pesquisadores, jornalistas e entusiastas fizeram uma lista de suspeitos de ser Satoshi Nakamoto. Confira abaixo alguns dos nomes.
Gavin Andresen
Em abril de 2011, em sua última aparição na internet, Nakamoto repassou o controle do código da criptomoeda para o desenvolvedor Gavin Andresen, que ajudou no desenvolvimento do Bitcoin. Os dois trocaram inúmeras mensagens. Após o sumiço de Nakamoto, ele virou o líder do projeto. Em um de seus últimos posts, o criador do Bitcoin disse o seguinte: “Eu mudei para outras coisas. Isso (projeto do Bitcoin) está em boas mãos com Gavin e todos”, escreveu.
Elon Musk
O CEO da Tesla e da SpaceX também está no páreo. A teoria que relaciona Elon Musk e Satoshi Nakamoto surgiu depois que um funcionário do empresário bilionário, conhecido por influenciar o mercado de criptomoedas com seus tweets, disse que ele poderia ter criado o BTC. Musk nega.
Hal Finney
Programador, foi a primeira pessoa a receber uma transferência de Bitcoin de Nakamoto em 11 de janeiro de 2009. Naquele dia, publicou o tweet histórico “Running bitcoin”. Finney, no entanto, morreu em agosto de 2014 aos 58 anos, vítima de uma doença degenerativa. A pedido dele próprio, seu corpo foi congelado para ser revivido no futuro – isso se surgir alguma tecnologia capaz de vencer a morte.
Nick Szabo
O cientista da computação desenhou o “Bit Gold”, um projeto de moeda digital descentralizada que nunca foi para frente. Muitos chamam a iniciativa de precursora do Bitcoin. Ele sempre negou ser Nakamoto.
Adam Back
Back é o criptógrafo que bolou um mecanismo anti-spam que utiliza Prova de Trabalho, algoritmo usado no Bitcoin. Ele também foi citado por Nakamoto no white paper do BTC.
Wei Dai
O engenheiro da computação é outro forte candidato. Foi ele que, em 1998, publicou um estudo sobre um sistema distribuído de dinheiro eletrônico. Chamada de “B-money”, a ideia também foi mencionada por Nakamoto em seu paper.
Craig Steven Wright
Wright é um cientista da computação e empresário que, em 2016, disse a jornalistas que era o verdadeiro Nakamoto. No entanto, ele nunca conseguiu provar a alegação. Na comunidade das criptomoedas, ele é conhecido como o “falso Satoshi Nakamoto”.
Dorian Nakamoto
Em 2014, a revista Newsweek disse que o nome verdadeiro do criador do BTC seria Dorian Prentice Satoshi Nakamoto, um físico e engenheiro da Califórnia, nos Estados Unidos. Quando o nome “Satoshi Nakamoto” é pesquisado no Google, são as fotos dele que aparecem. Dorian, no entanto, sempre negou ser o criador do BTC. Apesar da negativa, ele virou um ícone dentro do universo das criptomoedas, participante de eventos do setor.
Os e-mails e posts de Satoshi Nakamoto
No início do Bitcoin, Nakamoto costumava se comunicar com os desenvolvedores que ajudavam no projeto por de listas de e-mails.
Em novembro de 2009, no entanto, ele lançou o BitcoinTalk, um fórum de discussões sobre a criptomoeda.
Nakamoto foi bem ativo no espaço e, ao longo de quase um ano, postou cerca de 600 mensagens. Boa parte dos posts eram relacionados a programação e detalhes técnicos sobre o software do BTC. Os e-mails dele também seguiam a mesma linha. Nenhuma mensagem, no entanto, dá pistas sobre sua identidade.
No início do projeto, Andresen chegou a perguntar diretamente a Satoshi: “Estou muito curioso para ouvir mais sobre você – quantos anos você tem? Satoshi é seu nome verdadeiro? Você tem um trabalho no dia-a-dia? Em quais projetos você já se envolveu antes?”.
Nakamoto, no entanto, era sempre evasivo. Em outras mensagens trocadas ao longo dos primeiros anos do BTC, é possível perceber a preocupação do criador da moeda digital em relação à publicidade em torno de sua invenção.
Em 11 dezembro de 2010, quando a revista PC World publicou uma matéria sobre como o Wikileaks poderia se beneficiar do BTC, ele demonstrou desconforto em uma mensagem no fórum. “Teria sido bom chamar essa atenção em qualquer outro contexto. O WikiLeaks chutou o ninho de vespas e o enxame está vindo em nossa direção”.
Coincidência ou não, sua última movimentação no Bitcointalk ocorreu em 12 de dezembro de 2010. No post, ele deu algumas indicações sobre a segurança da rede. Depois disso, não publicou mais nada por lá. Naquele mesmo ano, ele também passou o repositório com o código do Bitcoin para Andresen.
No final de abril de 2011, naquela que foi sua última ‘aparição online’, ele mandou um e-mail de despedida para seus desenvolvedores próximos. Na mensagem, Nakamoto “passou a bola” do Bitcoin para eles. “Eu mudei para outras coisas. Isso (projeto do Bitcoin) está em boas mãos com Gavin e todos”, escreveu.
Por que Satoshi Nakamoto continua anônimo?
Há algumas teorias sobre o porquê Satoshi Nakamoto continua anônimo mesmo depois de 13 anos.
Uma das razões pode ser justamente não atrair a atenção das autoridades. O Bitcoin é descentralizado, não tem fronteira e não depende de governos e bancos centrais para rodar. Essas características assustam as instituições. Tanto que no mundo todo se discute a regulação das criptomoedas.
O E-Gold, projeto de moeda digital de 1996, por exemplo, quebrou e os envolvidos foram indiciados nos Estados Unidos. Será que o mesmo não poderia acontecer se Nakamoto revelasse sua identidade?
Outra possibilidade é que, como o projeto Bitcoin foi “vendido” à sociedade como algo descentralizado, não faria sentido algum ter um controlador. Além disso, um possível representante poderia influenciar os preços a qualquer movimento, como a publicação de um tweet, o que também vai contra os fundamentos da proposta.
Outra teoria é que Nakamoto, depois de liberar sua criação para o mundo e fazer os ajustes iniciais nos primeiros anos, morreu. Essa suspeita surgiu porque o criador do BTC não dá sinais de vida online há um bom tempo. No entanto, assim como as outras teorias, não há provas concretas sobre isso.
Quantos bitcoins tem Satoshi Nakamoto?
Acredita-se que Nakamoto tenha cerca de 1 milhão de bitcoins em suas carteiras de criptomoedas. Conforme a cotação do BTC do dia 9 de novembro de 2021, o criador da tecnologia é dono de uma fortuna estimada em US$ 68 bilhões.
Se estivesse na lista da Forbes das mais ricas do mundo, Nakamoto estaria na 15ª posição, à frente de empresários como Ma Huateng (um dos magnatas mais ricos da China) e de Carlos Slim, empresário bilionário da México.
Satoshi Nakamoto inventou a blockchain?
Blockchain, ou “corrente de blocos” em tradução livre, é um grande banco de dados compartilhado que registra transações dos usuários.
Nakamoto não inventou essa tecnologia, mas foi o primeiro a colocá-la em prática. O Bitcoin, portanto, foi o primeiro caso de uso desse sistema, que é imutável, distribuído e controlado pelos próprios participantes – não há interferência de terceiras partes, como governos ou bancos. Todo esse mecanismo é possível por causa do algoritmo de consenso por trás da moeda
Entretanto, cabe lembrar que o termo blockchain nunca foi citado por Nakamoto no white paper do BTC. No material, com nove páginas, ele menciona apenas as palavras “block” e “chain” separadas. Com o tempo, foi o próprio mercado que uniu as duas palavradas, dando origem ao termo blockchain.
Outro ponto é que as discussões sobre tecnologias de registro distribuído (DLT, na sigla em inglês), categoria na qual a blockchain se enquadra, ocorrem desde 1991. Naquele ano, o matemático Stuart Haber e o físico W. Scott Stornetta publicaram um artigo sobre o assunto. O trabalho dos dois pesquisadores inclusive é citado por Nakamoto.
Como o Bitcoin foi criado
Não só as raízes da blockchian já existiam, como também as outras tecnologias utilizadas por Nakamoto para dar vida ao Bitcoin.
Para criar sua invenção, Nakamoto se valeu de estudos sobre redes de registro distribuído, criptografia, teoria dos jogos e sistema de dinheiro eletrônico. No paper da criptomoeda, ele citou oito referências.
O personagem por trás do BTC foi como um cozinheiro: ele pegou vários ingredientes disponíveis no mercado, colocou em uma panela, inseriu seu tempero especial e criou uma nova receita, com sabores diferentes de tudo o que se tinha visto até então.
Esse novo prato é um grande livro-razão que roda em computadores espalhados por todo o mundo, de forma descentralizada, e que permite a transferência de dinheiro sem a interferência de governos ou bancos.
Ele foi construído de tal maneira que os participantes (chamados de nós) são os controladores e auditores da rede – e tomam as decisões sobre tudo. Os dados contidos nela também são imutáveis – ou seja, se as transferências foram validadas e registradas, são eternas e não podem ser alteradas.
Tudo é regido por um algoritmo chamado Proof of Work (Prova de Trabalho, em português), que estabelece alguns passos, como o que fazer quando se recebe uma informação, como estruturá-la em determinado formato e como deve ser a validação e a organização.
Os “trabalhadores” desse grande sistema são os mineradores. Em resumo, eles emprestam seu poder computacional à blockchain, confirmando as transações entre os usuários, e recebem Bitcoin como recompensa.
Por que Satoshi Nakamoto criou o Bitcoin?
Nas comunicações que trocou com desenvolvedores, Nakamoto deixou claro que o Bitcoin era uma resposta ao sistema financeiro, que em vários momentos da história se mostrou falho.
“A raiz do problema com a moeda convencional é toda a confiança necessária para fazê-la funcionar. O banco central deve ser confiável para não depreciar a moeda, mas a história das moedas fiduciárias está cheia de violações dessa confiança. Os bancos devem ser confiáveis para manter nosso dinheiro e transferi-lo eletronicamente, mas eles o emprestam em ondas de bolhas de crédito com apenas uma fração na reserva”, escreveu ele.
A data do lançamento do Bitcoin, em novembro de 2008, também é um indicativo do motivo. Dois meses antes, o Lehman Brothers, que já foi o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, havia falido, naquele que foi o episódio mais emblemático da crise financeira nos EUA.