Banco Central versus mercado: a guerra de expectativas sobre os juros

Enquanto o mercado cobra aumento na taxa básica de juros, o Banco Central se protege usando teto de gastos.

Renato Santiago

Fachada do Banco Central do Brasil
Fachada do Banco Central do Brasil

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“Que maravilha termos encontrado um paradoxo. Agora temos alguma esperança de fazer progresso“

— Niels Bohr

Na quarta-feira, dia 28, o Copom divulgou a manutenção da taxa básica de juros do Brasil, a Selic, em 2% ao ano. Poucas vezes havíamos visto o mercado num consenso tão grande sobre o que deveria acontecer.

Por dever de ofício fomos às redes sociais, portais e grupos de Whatsapp checar a repercussão daquele anúncio. E o clima era o de uma convocação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo: ninguém estava totalmente satisfeito, todos tinham uma crítica, uma sugestão ou uma ideia melhor para a política monetária brasileira.

Alguns xingavam os responsáveis, (com adjetivos mais educados que burro, é verdade), enquanto outros se perguntavam o que será que eles estão pensando?

O Brasil parece ter 200 milhões de técnicos e pelo menos um Fintwit de conselheiros de política monetária.

Também por dever de ofício fomos tentar entender este paradoxo: como uma decisão que tinha consenso nas previsões poderia gerar tanta gritaria e repercussão no mercado?

Fizemos nossa lição de casa e, nas próximas linhas, explicamos por que o mercado interpretou o comunicado do Copom da maneira como interpretou e quais são as visões do mercado financeiro sobre a política monetária brasileira hoje.

O racha das expectativas

Comunicados do Copom, principalmente os recentes, podem ter o poder de dividir o mercado em duas partes: os que esperam que o Banco Central aja imediatamente e de forma preventiva contra a inflação aumentando os juros; e os que ainda enxergam algum espaço para Selic ficar nos padrões atuais, de países desenvolvidos.

O primeiro grupo é muito maior, mas o segundo está mais alinhado com as ações recentes do Banco Central.

Certas palavras

Não foram os números do comunicado do Copom que incomodaram tanta gente, mas algumas palavras, principalmente aquelas contidas no chamado “forward guidance” (termo muito usado em inglês mas também chamado de prescrição futura).

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No documento o Banco Central “reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno.” No parágrafo seguinte: o “Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário desde que determinadas condições sejam satisfeitas”.

Tradução: o Banco Central olhou para a situação fiscal, cambial e de inflação e não viu motivos para aumentar os juros ainda.

Foi lendo isso que a maior parte do mercado torceu o nariz, pois, na própria quarta-feira os juros longos caíram e os curtos subiram. Isso indica que o mercado precificava uma preocupação do Copom com o curto prazo e indicaria possíveis altas futuras.

Inflação

O aumento de preços parece ser o principal ponto de discordância entre a maior parte do mercado e o Banco Central.

Com a pandemia de covid-19 o governo distribuiu dinheiro — provavelmente mais do que deveria. Como a Verde Asset mostrou neste relatório de gestão, a renda dos beneficiários do auxílio emergencial em maio já era 124% da habitual e em agosto chegou a 138%.

Isso deu, é claro, em inflação. Em setembro, o IGP-M dos últimos 12 meses passou dos 20% e a inflação do atacado chegou a 28%, o que acendeu alertas na Faria Lima e no Leblon. Grosso modo, é como se a inflação do IGP-M saltasse de 1% ao ano para 1% ao mês.

Coloque-se agora, leitor, no lugar de um gestor brasileiro. Com os últimos dados da inflação na cabeça, ele lê o comunicado do Copom, que ainda não cogita aumentar juros para segurar preços. Então ele se lembra dos erros da era Dilma e, se for mais vivido, de outras vezes que a inflação saiu de controle. A tensão que ele sente é injustificada? Cremos que não.

Fiscal

Na visão do Banco Central pode ser muito cedo para agir, já que a inflação que existe hoje é fruto apenas da injeção de um dinheiro da economia que teve como intuito recompor a renda dos mais pobres, que a perderam — e isso não deve durar para sempre.

Aí que chegamos em outra (talvez a mais crítica) divergência de visão: nossa situação fiscal.

O Brasil deve encerrar o ano com um déficit de R$ 861 bilhões. Ficar devendo tanto dinheiro assim não é bom e os credores (o mercado financeiro) sabem disso… Por isso eles olham para o governo em busca de pistas do que vai acontecer com esse déficit no futuro. E veem o cenário com tanta benevolência quanto o Banco Central.

Em Brasília, reformas como a tributária e a administrativa, que são vistas como a única saída para o fim de déficits gigantes no orçamento, estão sendo deixadas para depois. Quase ninguém conta com algum avanço até as eleições e muitos esperam progresso só depois que o Congresso eleger seus presidentes para o próximo biênio, em fevereiro.

Todos os dias os dois lados dessa guerra de expectativas vão para a arena chamada mercado. Enquanto o Tesouro de um lado oferece títulos curtos e com um prêmio de risco baixo, como quem diz “não se preocupe com a inflação”, o outro responde cobrando taxas maiores em prazos mais longos, respondendo “você já deve demais e não vai parar de gastar”.

As próximas reuniões vão mostrar qual visão vai prevalecer.

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Renato Santiago

Renato Santiago é jornalista, coordenador de conteúdo e educação do InfoMoney